sábado, 19 de novembro de 2022

Um exercício mental - tentando imaginar a 6ª cor de Magic

Saudações, aventureiros, taverneiros e até mesmo para os NPC!

Inspirado por uma resposta que dei a um dos comentários em meu post anterior, na qual eu comentei a respeito da dificuldade de criar uma 6ª cor para Magic que funcione de maneira satisfatória com o jogo, resolvi escrever este texto como exercício de imaginação: vou tentar imaginar uma 6ª cor para o famoso jogo de cartas.

Antes, porém, é bom avisar que eu só joguei Magic casualmente, nunca fui um jogador fanático, desses que montam decks pensando em combos de cartas, em loops de mana, danos infinitos, etc. Eu só montava decks pensando em quais cartas eu achava legais.... por exemplo, já tive um deck só de dragões, outro só de cavaleiros, e por aí vai, não me importando nem um pouco com a "estratégia vencedora" da época. 

Hoje em dia nem jogo mais (e nem quero). E como escrevi em meu post sobre as ilustrações das cartas de magic, as artes das cartas hoje em dia estão muito "new school" e com cada vez menos alma.

Até já pensei em comprar cartas para colecionar ou até mesmo para especular com seu valor, mas desisti da ideia. Não tenho tempo para me dedicar a isto, e acho que há hobbies muito mais interessantes e proveitosos.

Bem, agora vamos ao post propriamente dito!


Para quem não conhece, Magic é um jogo de cartas onde os jogadores assumem o papel de magos que invocam criaturas e lançam feitiços (representados nas cartas), e retiram sua energia mágica (chamada de "mana") de terrenos (também representados por cartas). Existem cinco cores de cartas, cada uma com seu estilo e mecânica próprios. 

As mecânicas consagradas das 5 cores são estas:


Branco - Magias de proteção e de recuperação de pontos de vida; criaturas pequenas e de baixo custo

Verde - magias de geração de mana; criaturas grandes e caras

Azul - Magias que obrigam o oponente a descartar ou a gastar mais mana; criaturas voadoras

Vermelho - magias de dano direto; criaturas com ímpeto

Preto - Magias que destroem criaturas, sacrifício de pontos de vida para gerar mana; criaturas difíceis de bloquear ou que geram efeitos de destruição e/ou descarte de cartas


Estas mecânicas já estão muito bem estabelecidas e sedimentadas há anos. 

Criar uma cor nova arriscaria o balanceamento do jogo e deveria levar em conta a retrocompatibilidade (ou seja, deve ser feita de maneira a tornar possível jogar edições antigas usando cartas da cor nova). Acho que é por estes motivos que a Wizards não cria uma 6ª cor de Magic, embora já tenha flertado com a ideia pelo menos uma vez (numa brincadeira de 1º de abril, eu acho, em que lançaram numa revista imagens de cartas roxas).

Com a popularização banalização dos artefatos desde pelo menos a coleção Mirodin, alguém poderia dizer que eles funcionam como uma 6ª cor, pois é possível montar um deck só de artefatos (creio). Mas não acho que haja uma mecânica inerente aos artefatos a não ser a própria variedade de mecânicas em si... tem artefato que gera mana, tem outros que dão dano direto, tem outros que destroem criaturas, e por aí vai. 

Para criar uma 6ª cor inédita, acho que deveriam ser seguidas as seguintes linhas de pensamento:

1 - Ela tem que ter uma mecânica própria que a distingua das demais;

2 - Tem que ser a "inimiga" da cor verde (pois já há os pares Branca (luz) X Preta (trevas) e Azul (água) X Vermelho (fogo), e o Verde aparentemente está isolado, seguindo esta lógica; e

3 - Tem que ser uma cor esteticamente bonita, que fique bem na impressão das cartas (não pode ser uma cor de tonalidade fraca ou que possa ser confundida com outra cor... tem que ser bem distinta)

Agora, para o exercício mental propriamente dito (até fiz exemplos de cartas no paint!), eu consigo imaginar as seguintes opções:

1ª Opção

Cor: Roxo

Terreno: Cidade (em oposição ao terreno do Verde, que é a floresta)




o ícone da bigorna eu tirei deste link: https://www.flaticon.com/free-icon/anvil_1065170?related_id=1065017&origin=search




Mecânica: Destruição de mana (também em oposição ao verde, que costuma gerar mana), magias que afetam terrenos e magias que afetam criaturas (mas sem destruir); criaturas que invocam e/ou criam artefatos  (representando os avanços tecnológicos da cidade)

História no jogo ("Lore"): esta cor seria neutra ou má. Sendo má, representaria a maldade interna e inerente ao ser humano (ao contrário das cartas pretas, que geralmente representam uma maldade externa, provocada por demônios, bruxas, etc.), potencializada pela degeneração trazida pela vida urbana (hedonismo, preguiça, cobiça, etc). Se for neutra, as cartas não vão focar só nas coisas ruins da vida urbana: vão mostrar as vantagens também.

Exemplos de cartas:

  Magias: 

          - Desmatamento (destrói a Floresta-alvo; compre uma carta em seguida)

          - Colonização (captura um terreno do jogador adversário. Ele passa para o seu lado da mesa e passa a gerar mana para você)

     - Revolução Industrial (Pague "X" - coloque em jogo "X" artefatos de seu grimório; embaralhe seu grimório em seguida)

imagem obtida no Openclipart.org


Criaturas: 

           - Funileiro hobbysta (vire esta carta: coloque em jogo 1 ficha de criatura artefato 1/1)

        - Mosqueteiro de repetição (vire esta carta: a criatura alvo recebe um ponto de dano; esta habilidade pode ser usada duas vezes por turno)

         - Ladrão de carroças (quando entra em jogo, escolha uma carta de artefato do jogador adversário e coloque-a no seu campo, como se fosse sua)

Imagem: "The Tinker" - pintura a óleo por Alphonse Legros, 1874


2ª Opção

Cor: Amarelo

Terreno: Deserto (também em oposição ao terreno do Verde, que é a floresta)



O ícone em forma de abutre eu tirei deste link: https://www.flaticon.com/free-icon/vulture_3358050

MecânicaDestruição de mana (também em oposição ao verde, que costuma gerar mana), magias que afetam terrenos e magias que afetam criaturas (mas sem destruir), criaturas resistentes e baratas (representando o estilo de vida frugal e a vitalidade necessários para viver em um deserto), 

História no jogo ("Lore"): o amarelo poderia representar os povos que vivem no deserto, nômades ou não, e também as forças naturais relativas àquele ambiente: sol, calor e frio extremos, tempestades de areia, oásis, etc. além de representar o próprio instinto de sobrevivência diante de condições extremas, i.e, a força da própria vida encontrando um jeito de viver mesmo nas piores condições, e também o lado brutal do fato de que a vida se alimenta de vida e que a natureza é uma força cruel, embora neutra. Por este motivo, creio que o amarelo seria uma facção neutra na história de Magic.

Exemplos de cartas:

  Magias: 

          - Desertificação (destrói o terreno-alvo)

      - Tempestade de Areia (as criaturas do oponente não podem bloquear neste turno)

        - Noite gélida (X criaturas não poderão atacar no próximo turno de seu oponente)

A imagem foi retirada deste link: https://www.wallpaperflare.com/artwork-fantasy-art-digital-art-desert-night-sand-snow-nature-wallpaper-thbhp


 Criaturas:

             - Elefante de Guerra (atropelar, formar bando)

             - Escorpião dourado (vire esta carta: a criatura - alvo recebe -1/-1 até o final do turno)

             - Nômades do deserto

            

Imagem do wikipedia commons

Achei o exercício interessante. Claro que eu não inventei tanta coisa assim: muitos já propuseram o roxo e o amarelo como possíveis cores novas para Magic, e não é incomum vermos os terrenos destas cores sendo Cidades e Desertos. E não duvido que mais alguém já tenha tido a ideia de usar a mecânica de "destruição de mana" em oposição à cor verde. Se algum dia eu tiver outra ideia para novas cores de Magic, eu publico mais um capítulo desta série. 

Até a próxima, aventureiros! Que as brumas não nos alcancem!

Que o Senhor os acompanhe!

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Problemas do RPG - O excesso de tudo estraga o jogo

Saudações, aventureiros! 

Após quase 2 meses de hiato e muito trabalho na vida real, volto para tirar as teias de aranha deste humilde reduto!

Dando continuidade à minha série "Problemas do RPG", hoje falarei sobre o excesso de regras.

Qualquer forma de exagero é ruim.

Eu acho que nos RPG há regras demais (falha dos jogos old school também) - muita tabela, muitas páginas, muitas idas e vindas pelos livros.

Vejam bem, eu não defendo que os jogos sejam fáceis. Muito pelo contrário, eu prefiro que os RPG sejam difíceis, sejam jogos mais focados na sobrevivência e perseverança dos personagens em um mundo repleto de perigos, ao invés de um mundo em que cada personagem de nível 1 já é um super-herói (tal é o erro da 5ª edição de "D&D"). 

O que defendo aqui é que os sistemas de regras sejam enxugados, tenham menos regras, mas sem deixar de ser um jogo difícil.

Eu sinceramente prefiro sistemas com poucas regras, até porque duvido que alguém realmente jogue RPG usando todas as regras existentes de um sistema qualquer (considerando os principais disponíveis no mercado, que costumam vender livros de regras volumosos e diversos suplementos).

Claro que isso é uma herança dos pais dos RPGs, os War Games, que eram jogos que realmente precisavam de muitas regras, tendo em  vista que eram jogos muito mais "objetivos" do que os RPG de hoje em dia (eles precisavam ser objetivos e ter regras bem claras que decidissem as partidas, pois ao contrário dos RPGs, são jogos em que os jogadores competem entre si e há um vencedor no final. Suas regras eram detalhadas em virtude da ênfase dada ao aspecto tático, tendo em vista a - normalmente - imensa variedade de "unidades militares" representadas pelas miniaturas)

Tendo o D&D nascido do Chain mail, um wargame, era natural que o mesmo fosse ter bastante regras, embora eu creia que em sua versão original o D&D tivesse menos regras do que hoje em dia - mas isto provavelmente se deve ao fato de que o jogo estava em seus primórdios, então é bastante natural que, após muitos anos, décadas, de brainstorming, muita coisa fosse sendo acrescentada ao jogo.

Vamos pegar por exemplo, o AD&D 2e, que tinha o Livro do Jogador e o Livro do Mestre (publicados por aqui primeiramente pela Abril e posteriormente pela Devir). 

O livro do jogador e o do mestre têm várias tabelas, para diversos fins: evolução do valor de TAC0 por nível e por classe de PJ, dano de armas, mobilidade de PJ por classe e por raça, mobilidade em diferentes terrenos, etc. Só o livro do mestre tem mais de 100 tabelas, e o do jogador tem aproximadamente umas 80. Sinceramente... qual é a utilidade de uma tabela de penalidades para o deslocamento de um personagem em diferentes terrenos? 


Outro ponto: o D&D hoje tem raças demais para os jogadores escolherem (pra mim o RPG ideal só tem humanos, elfos e anões - eu acho que as demais raças fantásticas de personagens deveriam ser só para NPC). Eu já acho que ter meio-elfos, gnomos e hobbits halflings como raças jogáveis é exagero, e meio-orc acho forçado demais, mas estas já fazem parte do jogo há muitos anos. 

Hoje em dia há os tieflings (na minha opinião, uma maneira de normalizar ter demônios em jogos... se o pêndulo estava muito para determinado lado na época do "satanic panic" dos anos 80, agora ele está indo cada vez mais para o outro lado, e isto não é nada bom...) e várias outras raças que eu nem sei o nome mas que são híbridos entre humanos e animais (ou vai ver que é uma raça só, mas que pode ter as características de qualquer animal, nem sei). 

Acho que seria melhor se mantivessem só a clássica tríade humanos + elfos + anões, e com as diferentes sub-raças (anões da colina, anões da montanha, elfos do sol, altos-elfos, etc.) sendo meramente estéticas ou tendo poucas diferenças entre si, e tais diferenças sendo bastante objetivas (ex: um PJ anão da montanha tem 1 ponto a mais de sabedoria do que um anão da colina, e a diferença é só essa). 

O jogo Cthulhu Dark Ages, por exemplo, é desse jeito: você pode escolher qualquer nacionalidade para seus personagens (que são todos humanos, até onde sei), mas não há diferença nenhuma de mecânica de jogo, atributos, etc. entre elas; no máximo a diferença vai vir no roleplay, quando um jogador interpretar um personagem franco e outro interpretar um personagem frísio, por exemplo.

Outro ponto: criaram classes demais. Acho que já estaria de bom tamanho ter só as 4 classes "arquetípicas":  guerreiros, magos, clérigos e ladrões. Eu concordo com o acréscimo de paladinos, druidas e rangers, pois realmente são classes "diferentes". Mas hoje em dia também tem os warlocks, feiticeiros, monges, etc. Eu acho que tais classes poderiam ser subclasses ou meros construtos na imaginação dos jogadores com base nos backgrounds de seus personagens. Por exemplo, o fato do warlock ter seu poderes oriundos de uma entidade sobrenatural poderia ser simplesmente o background de um personagem mago. 


Enfim, caros leitores, apenas as opiniões de mais um jogador de RPG anônimo, que gostaria que os jogos oficiais fossem mais de regras mais simples e enxutas. 

Se algum dia eu criar e vender um sistema, ele será conforme eu descrevi: poucas regras (no máximo 20 ou 30 páginas), somente humanos, elfos e anões como raças jogáveis, e somente as 4 classes de personagens: guerreiros, magos, clérigos e ladrões.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Os livros da Fighting Fantasy (Aventuras Fantásticas)

Escrevi esta postagem inspirado por esta recente do site d30, referente aos 40 anos da série Fighting Fantasy.

Acho que todo mundo que joga RPG conhece os livros-jogo da Fighting Fantasy (publicados aqui com o nome de Aventuras Fantásticas), escritos por Ian Livingstone e Steve Jackson.

Esses maravilhosos livros-jogo eram a alegria da garotada na biblioteca da escola onde estudei. Lembro-me que havia uns 6 exemplares destes livros, e eram os mais solicitados da biblioteca. 

Não lembro de cabeça todos os que havia lá, mas lembro de que um deles era o "Ladrão da Meia-Noite" e outro era "A nave espacial Traveller". E, se não me falha a memória, o livro mais requisitado era o "Ladrão da Meia-Noite". 

Hoje em dia tenho uma pequena coleção destes livrinhos em casa. A maioria comprei em "sebos de rua" (é assim que eu chamo quando encontro livros sendo vendidos em toalhas estendidas numa calçada, geralmente por vendedores de bugigangas e sucatas), e pelo site Estante Virtual (para quem não conhece, é um market place focado em sebos). 

Sempre que posso, procuro comprar os antigos, com as artes "old school" na capa. Hoje em dia eles estão sendo republicados pela editora Jambô, mas com uma arte muito "moderna" para o meu gosto (e pelo visto, para o gosto de mais pessoas, pois já vi reclamações neste sentido na internet, da arte estar muito "new school"). 

Vejam, por exemplo, a capa old school do livro "A Mansão do Inferno":



E agora vejam a capa da versão atualmente comercializada pela editora Jambô:



A diferença é clara. Na versão old school, além da arte ter aquele charme típico das ilustrações da época (tem uma certa aura "artesanal", se é que me entendem), ela tem algo a ver com a história do jogo. Tem um demônio na capa, umas árvores sinistras e no fundo a mansão mencionada no título. Na versão "new school", além da arte ter aquele jeitão artificial de ter sido feita 100% numa mesa digitalizadora e depois passada num photoshop da vida (com todo o respeito ao artista), ela não tem muito a ver com o conteúdo do livro. 

Para dar o braço a torcer, imagino que esta imagem seja uma referência direta à primeira cena da história (como é logo na primeira ou segunda página, não é spoiler): você está dirigindo o carro no meio de uma tempestade e quase atropela alguma coisa. A capa talvez mostre esta "coisa" que você quase atropelou, e certamente mostra que está chovendo. 

(É, imagino que seja isso que a capa nova represente, e no fundo da imagem dá pra ver que tem uma sombra que lembra o contorno de uma mansão, mas mesmo assim julgo que a arte da capa desta versão nova foi uma escolha infeliz, no sentido de que poderia ter sido MUITO melhor).

Por este motivo, prefiro os antigos. Mas, até onde sei, a arte das ilustrações internas dos livros não mudou, e todos os que eu vi até hoje têm ilustrações muito boas e com um estilo mais para o lado dark fantasy (monstros bem feios, um pouco de gore, mas sem exageros) e com aquele charme de ilustrações artesanais, provavelmente feitas a nanquim.

O sistema de jogo é bem simples e funciona muito bem, com o personagem do jogador tendo pontos de Energia (pontos de vida), Habilidade (para as lutas e praticamente qualquer situação) e Sorte (usada em momentos específicos de cada livro e também como forma de o jogador ter uma segunda chance em jogadas ruins em lutas). Algumas aventuras ainda incluem mecânicas extras próprias - é o caso de "A Mansão do Inferno", que inclui a mecânica de pontos de Sanidade, por exemplo, e "A Nave Espacial Traveller", onde você tem de fato uma tripulação e os membros desta têm funções diferentes que são úteis conforme o momento da aventura (engenheiro, cientista, etc). 

Para jogar estes livros só se usa papel, lápis e 2 dados de 6 faces. Este é, na minha opinião, um sistema que deveria servir de exemplo para jogos de fantasia em geral (não sou muito fã de ter que consultar dezenas de tabelas), e os livros ainda têm números aleatórios em suas páginas, para ajudar os jogadores que porventura não tenham dados ou em situações onde seu uso seria inconveniente (por exemplo, caso você queira jogar em um ônibus durante uma viagem). A ficha de personagem (em branco) vem inclusa no próprio livro, e os valores de Energia, Sorte e Habilidade são sorteados antes de se jogar a aventura, numa jogada de 2d6. 

Outra coisa que gosto muito nesta coleção, além da simplicidade das regras, é sua praticidade: os livros são pequenos e cabem até no bolso da calça, então dá para carregar um desses e jogar em qualquer lugar.


Minha coleção atual inclui:

A cidade dos ladrões (editora Jambô) - aventura bem legal na cidade mais famosa do mundo da Fighting Fantasy: Porto Black Sand!

Criatura Selvagem (editora Jambô) - um dos mais interessantes que eu já joguei, pois você joga do ponto de vista de um monstro.

A nave espacial Traveller (editora Jambô) - aventura de ficção científica bem bolada, cheia de situações bizarras.

A Mansão do Inferno (editora Jambô) - esse é bem difícil!  Joguei e rejoguei e morri várias vezes até achar o caminho certo dentro da mansão. Este aqui é o favorito de muitos, e já vi "livros virtuais" feitos por fãs da Fighting Fantasy que se passam no "mesmo universo" deste aqui. Como eu escrevi acima, este tem uma mecânica de pontos de Sanidade que torna a aventura mais difícil e tensa, e você pode literalmente morrer a qualquer momento quando sua sanidade fica muito baixa.

As Cavernas da bruxa da Neve (editora Jambô) - aventura high fantasy bem legal. 

A Cripta do Vampiro (edição old school) - livro que bebeu da fonte de Drácula, e tem uma mecânica interessante de itens abençoados, maldições, fé, etc. É como se fosse uma aventura de Ravenloft para jogar sozinho. Muito bom. Li em algum lugar que tem uma continuação, mas acho que não foi publicada no Brasil. 

Ladrão da Meia-Noite (edição old school) - o meu favorito, desde que eu era criança e pegava esse livro na biblioteca da escola. Gostava tanto desse livro que na sexta série escrevi a minha própria versão dele em um caderninho durante as aulas.

O Templo do Terror (edição old school) - comprei de um vendedor na rua e ainda não joguei, mas sei que é um dos favoritos do pessoal.

O Feiticeiro da Montanha de Fogo (edição old school) - outro que comprei na rua e ainda não joguei, e sei que é muito querido mundo afora.

RPG e Aventuras Fantásticas - uma introdução aos Role Playing Games (edição old school) - esse é um livro em que o autor fala sobre jogos de fantasia e RPG de modo geral, e traz uma mini-aventura. Bem interessante! Também comprei na rua.

Enfim, meus caros 9 leitores e meio (um deles é um Hobbit), gosto muito destes livrinhos, e sempre que vejo algum sendo vendido na rua eu tento comprar, caso tenha dinheiro no momento. 


Quais livros da Fighting Fantasy vocês já jogaram? Quais são os seus favoritos?


Até a próxima! Que as brumas não nos alcancem!



quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Literatura Medieval - A saga de Hen Thorir

 Aconcheguem-se perto da fogueira, meus amigos, o bardo vai contar mais uma história.

Hoje será contada a Saga de Hen Thorir, um personagem singular das sagas islandesas. Esta foi a primeira saga que li (no livro "Eirik the Red and other Icelandic Sagas"). 

Trata-se de um relato de acontecimentos nas vidas de pessoas comuns, e é justamente isto que a torna tão interessante aos meus olhos, pois mostra um pouco de como era a vida naquela época...


Um pequeno mapa da região de Borgafjord, onde se passa esta saga

Segue um resumo (bem resumido!) desta interessante história (e vocês verão como que, embora algumas sagas sejam curtas, muitas com menos de 50 páginas, são textos bastante densos, pois quase não há descrições das coisas... como eu já escrevi aqui antes, este é um gênero literário bastante direto ao ponto, com fatos atrás de fatos, quase ininterruptamente, o que contribui para a densidade de tais obras).

Esta saga (e muitas outras) pode ser lida na íntegra neste site, em inglês, alemão e islandês:  https://sagadb.org/haensna-thoris_saga.en

Quem quiser ler a saga por conta própria, pare de ler o post a partir daqui e volte somente na parte onde teço meus comentários.


A saga começa falando sobre o personagem-título, Hen Thorir ("Hen" vem de galinha mesmo) - considerando que "Thorir" era (é?) um nome bastante comum entre os escandinavos (ao menos o radical "Thor" parece ser comum nos nomes), ouso dizer que se esta história se passasse em algum país lusófono, seu apelido provavelmente seria algo como "Zé Galinha"!

Thorir era um mercador que ficou célebre por ter vendido galinhas em determinada época (daí seu apelido "Hen") e não era um homem bem quisto por seus pares na Islândia  - fica subentendido que era por conta de sua avareza e ganância (e talvez porque ele fosse um negociador "jogo duro"). 

Acontece que Thorir obteve sucesso em seus negócios, se tornando um rico fazendeiro, e credor de vários homens importantes nas redondezas. Ele faz um acordo com Arngrim, um chefe local de relativa importância: em troca de Thorir criar e cuidar de seu filho (e deixar -lhe metade de sua fortuna como herança), Arngrim deveria apoiar Thorir em todos os assuntos legais, sempre que este fosse exigir seus direitos, cobrar dívidas, etc.

Em uma fazenda vizinha à de Thorir, o senhor das terras, Blund-Ketil (o qual, convém dizer, era muito rico e muito bem quisto por seus pares naquela época), instrui seus servos para que sacrificassem alguns animais do rebanho para que economizassem  palha, pois o inverno se aproximava e seria bastante rigoroso. Os servos o desobedeceram (ou esqueceram suas ordens) e a palha daquela fazenda praticamente acabou às portas do inverno. Blund-Ketil precisou então cavalgar até a fazenda de Hen Thorir, e lhe pediu para comprar um pouco de sua palha (era sabido nas redondezas que Thorir possuía um armazém cheio). 

Thorir, por pura má vontade, se recusou a vender, alegando não precisar de dinheiro. Blund-Ketil ofereceu pagar o dobro do preço justo, alegando que seus animais morreriam de fome no inverno e isso seria um desastre para sua fazenda. Thorir permaneceu incólume, totalmente insensível aos apelos do vizinho. Foram-lhe oferecidas outras coisas (mercadorias, ferramentas, e até uma parte da produção de palha do ano seguinte das fazendas de Blund-Ketil), e Hen Thorir não mudou de ideia em momento algum.

Blund-Ketil, sem opção, resolveu que iria pegar a palha à força, pois do contrário seus animais morreriam e sua família passaria fome no inverno. Adentrou o armazém de Thorir com seus homens, recolheu a palha que precisava e deixou o dinheiro do pagamento no local. 

Hen Thorir ficou furioso, e tentou convencer alguns de seus conhecidos de que havia sido roubado. Porém, mesmo aqueles que tinham algo contra Blund-Ketil não quiseram tomar o partido de Hen-Thorir (ele era mesmo mal visto entre os homens da época, enquanto que Blund-Ketil era honrado e muito bem quisto). 

Eventualmente Thorir consegue o apoio de Thorvald Oddson, filho de Odd Onundarson (também conhecido como Tungu-Odd, este homem era uma espécie de "autoridade portuária" e tinha uma pequena rixa com Blund-Ketil) em troca de metade de sua fortuna. O tempo inteiro, Arngrim, "aliado" de Hen Thorir, tenta convencê-los a não levar aquela vingança adiante, mas seus conselhos caem em ouvidos moucos (aqui cabe relembrar: Arngrim era um chefe local que havia feito uma aliança política com Hen Thorir: ele receberia metade da fortuna do comerciante e seu filho seria criado por ele, e em troca Arngrim teria que defender os interesses de Hen Thorir perante os outros homens sempre que este precisasse)

Thorvald e Thorir reúnem um grupo de 30 homens e vão até a fazenda de Blund-Ketil par.a acusá-lo de roubo e formalizar que irão submetê-lo à assembleia geral ("Althing") para que o mesmo fosse julgado. Ketil diz que não fez nada de errado, e novamente oferece pagar mais do que o preço justo pela palha. Thorvald fica inclinado a aceitar a oferta, mas Thorir exige que eles continuem em frente com a acusação.  Thorvald então usa palavras bem duras para acusar Blund-Ketil de ter roubado a palha de Thorir, o que muito ofende o fazendeiro. 

Acontece que hospedado na casa de Blund-Ketil estava Orn, um mercador norueguês (que havia sido vítima da má vontade de Tungu-Odd, o qual proibiu que os mercadores do porto de Borgafjord fizessem comércio com Orn), o qual resolve tomar as dores do fazendeiro. Ele saca um arco e dispara, matando um dos homens do bando de Hen Thorir. Ele matou ninguém menos que Helgi , o filho de Arngrim que estava sendo criado por Thorir. 

Hen Thorir aproveita a situação e mente dizendo que as últimas palavras do garoto foram de que ele desejava que a fazenda e a família de Blund-Ketil fossem queimadas, como vingança. Assim, naquela mesma noite, o bando volta à propriedade de Blund-Ketil e ateia fogo à casa e às plantações, matando a todos, inclusive o velho e bem quisto fazendeiro.

O filho de Blund-Ketil, Herstein Ketilson, fica sabendo do ocorrido, e junto de seu "pai adotivo" Thorbjorn começam a recrutar a ajuda de outros fazendeiros e senhores de terras locais para executar a vingança contra Hen Thorir. O primeiro a ser chamado é, ironicamente, Tungu-Odd (pois Thorbjorn tinha boas relações com o mesmo), o qual se aproveita para tomar posse das terras de Blund-Ketil (como vingança pelo bom fazendeiro ter ajudado Orn, o mercador norueguês). 

Eventualmente, Herstein e Thorbjorn conseguem aliados usando um interessante estratagema: Thorbjorn visita Gunnar Hlifarson, outro senhor de terras, e alega que Herstein estava muito ansioso para se casar com sua filha, Thurid, e que seria um excelente negócio aceitar aquela proposta, pois ambas as famílias se beneficiariam. 

Um pouco hesitoso, Gunnar aceita a ideia e se compromete a permitir que Herstein se case com Thurid. Neste momento é-lhe revelado que o pai de Herstein havia sido queimado até a morte pelo bando de Hen Thorir, e Gunnar percebe que foi feito de trouxa, pois agora que havia prometido sua filha em casamento, estava legal e moralmente obrigado a ajudar Herstein em sua vingança (dívida de honra) - Gunnar lamenta ter aceitado tão rápido a proposta e se sente tendo sido feito de idiota, mas já era tarde para voltar atrás. 

Assim, no dia seguinte, a comitiva vai até as terras de Thord Bellow, pai adotivo de Thurid, para pedir sua permissão e sua bênção para que o casamento ocorra. Thord é enganado da mesma maneira que Gunnar, aceitando que o casamento ocorresse o mais rapidamente possível, e com a cerimônia sendo celebrada em sua fazenda. Com isso, Thord Bellow também é legal e moralmente envolvido na vingança pela morte de Blund Ketil (e também se lamenta de ter concordado tão apressadamente com o casamento).

No casamento, os personagens principais fazem juramentos de vingança contra Hen Thorir e seus aliados (inclusive contra Arngrim). Thorir fica sabendo do ocorrido, e fica foragido.

Todos os envolvidos na vingança  juntam um pequeno exército de homens (por volta de 240) e partem à procura de Hen Thorir. Os demais envolvidos na morte de Blund-Ketil (Odd e Arngrim) também juntam um exército (cerca de 480 homens). Os grupos rivais se encontram e uma pequena batalha é travada, com alguns mortos e muitos feridos. 

Hen Thorir, posteriormente, tenta emboscar Herstein, pagando a um camponês para que inventasse uma desculpa para levá-lo até o meio de um bosque (onde Thorir e seus homens estariam esperando). Porém, Herstein enxerga, de longe, o brilho de um escudo no meio das árvores e percebe o engodo. Dá meia-volta, reúne um grande número de homens e volta para o bosque, onde trava uma curta batalha contra o bando de Hen Thorir, decapitando-o e matando seu bando.

Posteriormente, na Assembleia Nacional (Althing), Herstein chega, triunfante, carregando a cabeça de Hen Thorir. No mesmo dia, Arngrim é declarado fora-da-lei, e Odd é sentenciado  ao exílio.

(e a saga continua contando os destinos dos filhos dos principais personagens)

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Foto de um raro exemplar de um livro publicado pela Byway Press USA em 1903, contendo esta saga. Notem as belas ilustrações nas margens. Um pequeno tesouro literário 

Após este "breve resumo", seguem as minhas anotações:

Embora eu acredite que alguns pontos da história possam ter sido, de certa forma, exagerados, acho que podemos dizer que se trata de um registro autêntico dos costumes, leis e modo de vida dos primeiros islandeses. Vejamos:

- A assembleia-geral islandesa (Althing) atuava como poder legislativo e poder judiciário, fazendo leis e julgando processos e dando sentenças condenatórias. Não creio que funcionasse perfeitamente, mas afinal qual sistema de governo funciona com perfeição?

- Pelo visto havia o costume de dar um filho para que outro parente (ou outro chefe de clã) criasse, para forjar alianças políticas. É o caso do filho de Arngrim, que é criado por Thorir em troca de proteção política para este, e também o caso da filha de Gunnar Hlifarson, que é criada por Thord Bellow.

- Disputas entre chefes eram resolvidas, de certa forma legitimamente, pela força das armas. Isto fica claro quando Herstein é recebido com honras na assembleia ostentando a cabeça de Hen Thorir.

- Os islandeses davam muita importância à hospitalidade e à generosidade. Tratar mesmo um desconhecido com total indiferença era algo mal visto por aquela sociedade - isso provavelmente se dava pelas terríveis condições naturais na Islândia... se o pessoal não tivesse o costume de se ajudar pelo menos oferecendo abrigo e comida, provavelmente não iria demorar muito para não sobrar mais ninguém na ilha! 

- Pelo visto bastava clamar um lote de terra como sendo seu perante algumas testemunhas para que ele passasse a ser legalmente seu. É o que ocorre quando Tunga-Odd reclama como sendo sua a terra da fazenda de Blund-Ketil após a morte deste, e na frente do filho do falecido, ainda por cima! Eu li em algum lugar que isto era uma espécie de ritual para tomar posse da terra "espiritualmente", como se amaldiçoasse outras pessoas que tentassem tomá-la, então para mim não ficou claro se a terra de Blund-Ketil passou a ser legalmente de Tunga-Odd ou não...

- Uma coisa que pode causar confusão: Arngrim é referido, na versão em inglês, com o título de "Priest", que geralmente é traduzido como "padre" (embora o mais correto seja sacerdote). Mas em islandês seu título é "Goði", o que não deixa dúvidas de Arngrim se trata de um sacerdote pagão (e os Goði também exerciam poderes políticos na Islândia medieval, o que confirma que Arngrim era um senhor de relativa importância na época da saga)



quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Armas medievais - Bestas, Balestras, etc.

 Saudações, Mestres e Aventureiros!


Cheguem mais perto da fogueira. O Bardo vem lhes trazer mais um post sobre armas. 

Desta vez falarei sobre as engenhosas Bestas, armas incrivelmente mortíferas e avançadas de nossos antepassados. 

Alguns caçadores ainda as usam hoje em dia. 

Hobistas e entusiastas da arquearia ainda as fabricam artesanalmente em suas pequenas oficinas mundo afora.




Basicamente, as bestas eram armas que combinavam um arco (de madeira, chifre ou até mesmo metal) com uma haste (geralmente de madeira), sendo que geralmente havia um sistema de roldanas e manivelas ou de manivela e cremalheira para puxar a corda (a puxada geralmente era mais pesada que a de um arco comum, sendo praticamente impossível, em alguns modelos de besta, a um homem puxar a corda sem este mecanismo) e também com um sistema  de gatilho para disparar o arco. 

Na extremidade frontal havia uma argola de metal (uma espécie de estribo) onde o besteiro enfiaria o pé quando apoiasse a besta no chão, possibilitando-lhe ficar com as duas mãos livres - necessário para girar as manivelas do mecanismo para armar a besta.


A munição usada nas bestas era bastante variada, podendo ser flechas, virotes (dardos), esferas metálicas, esferas de barro, pedras, etc.

As bestas eram capazes de disparar flechas com mais força e precisão do que arcos, mas sacrificando a cadência de tiro (enquanto um arqueiro experiente conseguiria disparar algo em torno de 10 a 15 flechas por minuto, um besteiro treinado só conseguiria disparar por volta 6 dardos e, no caso das bestas mais pesadas, somente um ou dois disparos por minuto. Com isso, a não ser que houvesse alguma proteção, os besteiros não eram tão eficientes em batalhas em campo aberto, pois demoravam para carregar e disparar suas armas. Por este motivo, era comum nos exércitos da época a presença de paveses, grandes escudos de madeira que eram postos à frente dos besteiros no campo de batalha, para que os mesmos fossem abrigados contra o fogo inimigo enquanto recarregavam suas armas. Assim, os besteiros eram mais adequados para a defesa de fortalezas e castelos durante cercos, pois em posições defensivas de torres e muralhas poderiam ser protegidos por ameias ou outras estruturas semelhantes enquanto recarregavam suas armas.


Outra vantagem da besta em relação ao arco é o tempo necessário de treinamento. Conforme já escrevi neste humilde blog, um arqueiro inglês treinava desde os 7 anos de idade para conseguir manejar um arco longo de guerra por volta dos 17 anos, tendo em vista a extrema força necessária para retesar a corda de um arco de guerra. Sendo assim, poderia demorar 10 anos para se ter um arqueiro preparado para a guerra. Um besteiro, por outro lado, poderia ser treinado em algumas semanas.

A comparação acima pode soar exagerada, pois falei dos arqueiros ingleses: outros tipos de arco poderiam exigir tempos mais enxutos de treinamento, mas ainda assim seria necessário o desenvolvimento da musculatura do arqueiro, numa proporção maior que o que seria necessário para um besteiro. Além disso, puxar a corda de um arco não é só questão de força bruta - há um "jeito certo", há toda uma coordenação de vários músculos do corpo para isso acontecer de forma eficiente (se você tiver acesso a um arco, mesmo um desses esportivos de hoje em dia, tente puxar a corda até atrás da orelha, que nem os ingleses faziam, e saberá do que estou falando)

Mais uma vantagem: enquanto que um arqueiro precisava manter a corda retesada com a força do próprio corpo enquanto mirava antes de disparar, o besteiro consegue deixar a besta com o dardo travado, "engatilhado", enquanto mira, o que poupa bastante esforço. Isto certamente contribui para a precisão destas armas.

Por outro lado, as bestas eram de fabricação mais difícil e, portanto, mais caras e relativamente mais raras do que os arcos. Para fabricar uma besta eram necessários conhecimentos e técnicas mais especializados, pois tratava-se de uma arma mais complexa e que provavelmente exigia a mão de obra de mais de um tipo de profissional. Os arcos eram de fabricação mais simples, e um artesão experiente conseguiria fabricar um arco longo em cerca de  cinco a sete horas de trabalho.

As bestas foram usadas amplamente na Europa medieval, pelo menos desde os anos 1.000 D.C, principalmente na Europa Central e Europa Meridional. 

Na China há exemplares mais antigos ainda deste tipo de arma, além do incrível Chu-ko-nu, uma espécie de besta de repetição, capaz de fazer incríveis 15 disparos por minuto (às custas do alcance e do poder de penetração, porém).

Para finalizar, deixo esta citação, retirada do excelente blog  Anno 1471, dedicado a história medieval portuguesa, acerca do uso desta arma pelos exércitos de Portugal:

"Das vilas e cidades do país vinham também os Besteiros do Conto – um número fixo de besteiros, treinados e bem equipados, que cada concelho devia fornecer para serviço militar em tempo de guerra. Ao serviço como Besteiro do Conto estava associada uma série de deveres, é certo, mas também um grande conjunto de privilégio. Neste nosso período, os Besteiros do Conto enquanto corpo de renome no seio da hoste portuguesa estavam já em plena decadência (acabariam por ser dissolvidos em 1498). Ainda assim, como um dos primeiros corpos proto-permanentes no país, participaram em todas as campanhas militares portuguesas do século XV, grandes ou pequenas. 

Um homem recrutado como besteiro estava, por lei, obrigado a ter uma besta (de garrucha – um gancho para puxar a corda até ao engate; ou de polé – um sistema de roldanas para armar a besta) e um cento de virotões. O equipamento defensivo não deveria ser muito: gibanetes, sem dúvida, protecções de cabeça (barretas, celadas com ou sem viseira); alguma malha, o ocasional arnês de braços, e pouco mais. Em Portugal, ao contrário de outras paragens, os besteiros parecem não ter trazido consigo paveses."

sábado, 20 de agosto de 2022

Literatura Medieval - A Saga dos Volsungos

Saudações, aventureiros!


Hoje tecerei comentários a respeito da famosa Saga dos Volsungos, um dos principais livros da literatura islandesa.

Sigurd mata o dragão Fafnir (no fundo, Regin, que planeja trair Sigurd)

Recapitulando, as "Sagas" são um gênero literário característico da Islândia medieval. Originalmente eram histórias passadas oralmente de geração em geração, e que passaram a ser escritas a partir da cristianização da Islândia, tendo sido registradas por padres, bispos e vários leigos letrados islandeses que surgiram na época. 

Há vários tipos de sagas (lendárias ou de heróis; de reis; de bispos; sagas cômicas; etc.). 

Este tipo de texto é bastante "direto ao ponto", sem muitas descrições dos lugares e das pessoas envolvidas. Das sagas que eu li até hoje (além da própria Saga dos Volsungos já li algumas contidas nas coletâneas Comic Sagas and Tales from Iceland, da editora Penguin, e Eirik the Red and other Icelandic Sagas, da editora Oxford), percebi que uma característica comum é a história começar um pouco antes do nascimento do protagonista e terminar um pouco depois de sua morte (se for o caso), com as ações de seus descendentes que ocorreram em consequência aos eventos descritos na história.

As Sagas lendárias provavelmente aludiam a grandes feitos e heróis de um passado remoto (dos tempos "míticos") ou de um passado não tão distante mas que teve muita influência na história e na própria psique do povo islandês. Eu diria que tais alusões são "ecos" da realidade, de um passado remoto que moldou a cultura, mitologia e a própria mentalidade do povo.

As sagas lendárias são repletas de figuras de linguagem ("kennings") de forma que não podemos levar tudo o que foi escrito ao pé da letra (e na opinião deste humilde Bardo que vos escreve, nem todos os kennings foram identificados e há outras figuras de linguagem que até hoje passam despercebidas. A leitura desta saga é particularmente confusa em algumas partes).

Conforme veremos adiante, a Saga dos Volsungos também serviu de inspiração para O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien.


Eis um breve resumo da saga (quem quiser lê-la sem "estragar a surpresa", não leia mais a partir daqui e volte a ler somente quando eu tecer meus comentários). Embora seja uma história relativamente curta, ela é cheia de detalhes e de personagens, de modo que a leitura do texto completo é bastante confusa e requer muitas idas e voltas pelo texto para realmente entender as relações entre os personagens e os acontecimentos. 

O que vem a seguir é um "resumo bem resumido" da saga:

A história começa contando sobre os ancestrais de Sigurd, que deram origem à linhagem dos Volsungos. O mais importante deles era o Rei Sigmund, o qual teve um filho chamado Sigurd (na Alemanha conhecido como Siegfried), o herói desta saga.

No início é contada brevemente a história de Volsung, o fundador da linhagem. Ele se torna rei de Hunaland (a terra dos Hunos), casa-se com uma valquíria e tem dez filhos, todos homens de altíssima estirpe e superiores a todos os demais homens. 

Um de seus filhos é Sigmund, o qual consegue retirar do tronco de uma árvore a espada Gram, ali colocada pelo próprio deus Odin. 

Odin coloca a espada Gram em um tronco de árvore, na mansão dos Volsungos


Sigmund eventualmente torna-se um rei poderoso, vencendo muitos inimigos em guerras, até que um dia o próprio Odin surge durante uma das batalhas (contra o exército do rei Lygvi) e quebra a espada Gram, fazendo com que Sigmund seja derrotado. Porém, Hiordis, a esposa de Sigmund, grávida, estava escondida em um local seguro, e consegue trocar algumas últimas palavras com Sigmund antes deste morrer. O rei moribundo lhe confia os fragmentos da espada, e pede à sua esposa que parta, pois seu filho está destinado a ser o maior dos homens. Hiordis foge e acaba parando na corte do rei da Dinamarca, onde ela dá à luz Sigurd, o maior dos heróis mitológicos islandeses. 

Sigurd testando a Espada Gram, após esta ser reforjada por Regin

Sigurd cresce e vive em meio à corte do rei Hialprek, da Dinamarca. 

Lá, ele é criado por Regin (muitas vezes retratado como um anão), que o insufla com ambição por poder e riquezas. Ele conta a Sigurd a história de sua família, e como que seu irmão mais velho, Fafnir, egoísta e mau, matou o próprio pai e roubou seu tesouro, tendo se transformado numa serpente (dragão) logo em seguida. 

(esta história é baseada no mito "Otter's ransom", um dos mais célebres da mitologia nórdica e presente nas Eddas Poéticas, o qual merece um post à parte, futuramente. Em suma, este mito conta a origem do tesouro de Fafnir e explica porque tal tesouro é amaldiçoado)

Regin exalta Sigurd para que mate Fafnir, e em troca lhe promete forjar a melhor de todas as espadas. Sigurd aceita a troca.

Regin, honrando sua palavra, acaba forjando duas espadas, uma após a outra, mas nenhuma é boa o bastante para o herói - ambas se partem quando são testadas contra uma bigorna. 

Sigurd então traz os pedaços da espada de seu pai (que haviam sido entregues por ele à sua mãe, antes de morrer), que é reforjada, e com ela o herói corta uma bigorna ao meio, provando o valor da arma. Mas o herói avisa que, antes de partir para matar Fafnir, ele precisa vingar seu pai Sigmund. E com isso embarca em uma jornada para enfrentar o rei Lygvi. 

Sigurd junta um exército e enfrenta o rei Lygvi e seus homens, saindo vitorioso, conseguindo enfim vingar seu pai e provar seu valor. Com isso, Sigurd parte para cumprir sua promessa: ele e Regin vão juntos para onde vive Fafnir, o dragão. 

Secretamente, Regin planeja matar Sigurd para ficar com o ouro do dragão, e dá maus conselhos para o herói,  na esperança de que ele pereça junto de Fafnir.

Porém, no caminho para o covil do dragão, Sigurd é abordado por um misterioso velho encapuzado (ninguém menos que Odin disfarçado), o qual lhe aconselha a cavar várias trincheiras em volta da caverna de Fafnir, para conseguir atingi-lo por baixo, na barriga, e também para que houvesse lugar para o sangue escorrer, caso contrário o herói morreria afogado no sangue do dragão.

Seguindo o conselho que lhe é dado por Odin, Sigurd mata o dragão Fafnir, e este é seu grande feito que o destaca de todos os outros homens e que faz com que a Valquíria Brynhild o considere o único digno de se casar com ela. Já moribundo, Fafnir trava um diálogo no qual tenta enganar Sigurd, mas morre sem conseguir seu intento.


Regin tenta enganar Sigurd após este derrotar Fafnir

Após matar Fafnir, Sigurd bebe um pouco de seu sangue e com isso adquire o poder de entender o que os pássaros dizem. Ele ouve dos pássaros que Regin planeja traí-lo. Assim, Sigurd se antecipa e mata Regin. Então assa o coração de Fafnir e come uma parte, guardando o resto para depois. Apodera-se também do tesouro de Fafnir, e aí começa sua lenta ruína, pois o ouro era amaldiçoado.

Seguindo os conselhos de Odin, Sigurd então parte para onde a valquíria Brynhild estava adormecida, vítima de um  antigo feitiço. Sigurd a desperta, e a valquíria lhe concede sabedoria mágica, e ambos trocam juras de amor. Posteriormente, Sigurd encontra Brynhild novamente, mas desta vez ela se mostra ambígua, profetizando que Sigurd se casará com Gudrun, filha do rei Giuki. Sigurd então lhe dá um anel de ouro (talvez o anel Andvaranaut, do espólio de Fafnir, e portanto, amaldiçoado. Mas a saga não deixa claro se se trata deste anel)

Sigurd encontra Brynhild

Quando um dia Sigurd chega à corte do rei Giuki, a rainha Grimhild  fica impressionada com o herói e suas façanhas lendárias e decide que sua filha, a princesa Gudrun, precisa tê-lo como marido. A rainha então lhe dá uma poção que faz com que o herói se esqueça de seu amor pela valquíria Brynhild, de forma que Sigurd casa-se com Gudrun, cumprindo assim a  profecia que a valquíria havia lhe feito. Com isso, Sigurd vira irmão de juramento dos filhos do rei Giuki.

A rainha Grimhild também resolve casar seu filho Gunnar com a valquíria Brynhild. Até mesmo Sigurd aceita a ideia, e traça um plano com Gunnar para que ele consiga a mão da valquíria. 

No entanto, o pai de Brynhild, o rei Budli, diz que somente poderá se casar com sua filha aquele que conseguir atravessar as chamas que cercam a mansão onde ela mora. Gunnar está disposto a atravessá-las, mas seu cavalo não. Ele monta no cavalo de Sigurd, mas este também se recusa a atravessar a barreira. Sigurd resolve ajudar seu irmão jurado: assume magicamente a forma de Gunnar e atravessa a barreira de fogo, pedindo a valquíria em casamento. 


Gunnar e Sigurd na barreira de fogo


Brynhild se surpreende com o fato de seu pretendente não ser Sigurd (lembre-se de que ele estava magicamente disfarçado de Gunnar), mas sabe que é moralmente obrigada a cumprir o juramento de se casar com quem atravessasse a barreira de fogo, e aceita casar-se com Gunnar. 

No casamento, Sigurd lembra-se de seu amor por Brynhild, mas sabe que não pode fazer mais nada a respeito, por já estar casado com Gudrun  e por não poder trair seu irmão de juramento, Gunnar.

Eventualmente Brynhild percebe que foi enganada e lamenta não ter se casado com o grande herói Sigurd, e se sente recalcada por ter que se juntar a um "herói de segunda classe" como Gunnar. Além disso, tem ciúmes de Gudrun por esta ter se casado com Sigurd (o qual era de Brynhild por direito, na opinião desta). 

Brynhild se torna melancólica e rancorosa, e renuncia à felicidade, praticamente morrendo aos poucos. Exige que seu marido Gunnar mate Sigurd. Gunnar fica num dilema, pois Sigurd era seu irmão jurado e amigo, e traí-lo significaria quebrar a lei sagrada dos laços familiares, além de trazer desonra para si próprio e sua descendência. 

Porém, o amor falou mais alto, e Gunnar resolve matar Sigurd usando seu irmão Guttorm, o qual não havia jurado irmandade com o herói. Guttorm consegue matar Sigurd, mas também é morto pelo herói em seus últimos momentos. A valquíria Brynhild se mata logo em seguida, exigindo ser cremada junto de seu amado Sigurd.  


Com isto, termina a história de Sigurd, o maior herói lendário da mitologia nórdica.

Com suas últimas forças, Sigurd mata seu algoz, Guttorm


Após isto a saga dos Volsungos conta o que acontece com Gudrun e seus descendentes, bem como com Gunnar e sua família. Todos eles sofrem a influência da maldição do tesouro de Fafnir, em maior ou menor grau.

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Agora, analisando a saga:

Todos os personagens da história eram "pessoas da época", ou seja, seria extremamente injusto julgá-los com os olhos da atualidade. 

Se considerarmos os padrões morais judaico-cristãos, não haveria um só "herói" nesta história, nem mesmo Sigurd -  pois ele cometeu vários atos cruéis e moralmente reprováveis na saga. Entretanto, seus feitos narrados faziam parte dos costumes do povo e da época retratada, e provavelmente eram coisas normais e aceitáveis à época e para aquela cultura.

Era normal, portanto, que a vingança fosse estendida aos descendentes da pessoa, mesmo que fossem somente crianças. Até mesmo Sigurd mata algumas crianças na história, tudo por vingança contra seus inimigos (e, de certa forma, também para impedir que os descendentes de seus inimigos eventualmente tentassem se vingar dele ou de seus descendentes)

Havia coisas como juramentos de sangue, alianças feitas através de casamentos, etc. Todas estas coisas funcionavam como contratos não escritos que vinculavam as pessoas, de modo que através de um juramento ou casamento, os membros das duas famílias tornavam-se parentes, e desta forma deveriam se ajudar inclusive em vinganças (há uma saga islandesa chamada Hen Thorir [Hænsna-Þóris saga] em que tal artifício é usado: em dado momento, um dos personagens se casa com a filha de um fazendeiro para forçar aquela família a ajudá-lo em sua vingança - é de certa forma engraçado o momento da história em que o pai da noiva percebe que foi feito de trouxa e estava moralmente obrigado a ajudar na vingança por conta do laço familiar que acabara de ser criado)


O que provavelmente inspirou J. R. R. Tolkien nesta história?

- O dragão Fafnir, dormindo em cima de seu tesouro, provavelmente foi a inspiração-mor para Smaug, que também era um dragão ganancioso que dormia em cima de uma pilha de tesouros.

- A fala maliciosa de Fafnir e o modo como o dragão tenta enganar Sigurd em seus últimos momentos de vida também evidenciam que esta foi a inspiração para Smaug, não somente na forma, mas também no estilo do personagem.

- A espada de Sigurd, Gram (conhecida também como Balmung na versão alemã da lenda), que pertenceu a seu pai Sigmund foi a inspiração para Andúril: uma espada pertencente a um grande rei do passado, que foi quebrada e depois reforjada para servir ao herói da história.

- O anel amaldiçoado de Fafnir (Andvaranaut) certamente foi uma das inspirações para o Um Anel. Porém a maldição do anel de Fafnir na saga é algo muito mais sutil que a maldição do Um Anel. Podemos interpretar que o anel do dragão influenciou os acontecimentos trágicos  na vida de Sigurd posteriores à derrota de Fafnir, mas isso não é algo explícito - os infortúnios simplesmente vão acontecendo. O fato do anel ser amaldiçoado não é algo relembrado muitas vezes ao longo da saga - cabe ao leitor manter isto em mente durante a leitura.


domingo, 17 de julho de 2022

Resenha : "Feast of Goblyns" - a primeira aventura de Ravenloft

 


Saudações aventureiros e mestres! (e um alô para os NPC também, espero que um dia consigam sair do condicionamento e despertem para a realidade!)


Após algumas semanas afastado (por conta do trabalho na vida real), volto com mais uma resenha de uma aventura de AD&D!


Feast of Goblyns foi a primeira aventura escrita para Ravenloft, há mais de 30 anos, em 1990.

Uma aventura bem grande, ao menos para os padrões da época, com mais de 90 páginas, para jogadores do 4º ao 7º nível (mas eu consegui jogá-la - ao menos parte dela - com PJs do nível 3 - afinal, a 5ª edição de D&D transformou os PJ em campeões de LOL ao invés de personagens de RPG, mas enfim, é o que temos hoje)

Nota-se que, sendo a primeira aventura, os autores ainda não haviam se acostumado com o "tom" do cenário. 

Esta aventura não é exatamente gótica. 

Ela possui alguns elementos góticos, digamos,  mais superficiais, como vampiros e lobisomens, um castelo mal-assombrado, etc. 

Ela tenta dar um tom gótico através da trama que envolve uma intriga política, traição, uma tentativa de golpe de estado, mas ainda pesa muito para o lado "Dungeon Crawl" (tem 2 ou 3 dungeons nesta aventura, fora a parte urbana em pelo menos 2 cidades)

Se vocês pesquisarem sobre esta aventura em fóruns de D&D internet afora, verão que todo mundo que a mestrou precisou fazer alterações no roteiro para que ela fizesse sentido. Eu também precisei fazer algumas alterações quando mestrei Feast of Goblyns, conforme veremos abaixo.

Quem não quiser spoilers, pare de ler o texto agora!

##SPOILERS##

Os heróis estão no domínio de Kartakass, uma terra inspirada na nossa Alemanha, mas com um tom meio "conto de fadas", onde os bardos e a música têm muita importância (cada cidade é governada por um "Meistersinger", um bardo de grande talento e guardião das tradições da cidade).

Uma noite, veem uma mulher sendo atacada por um agressor misterioso (na verdade ela é Akriel Lukas, filha do dark lord do domínio, Harkon Lukas, um terrível wolfwere que se infiltrou na sociedade humana - o agressor é o próprio Harkon Lukas, punindo sua filha). 

Quando os PJ tentam ajudá-la, o agressor desaparece misteriosamente, deixando somente seus dois lobos de estimação para enfrentá-los. Após o conflito, a "donzela em perigo" diz que o agressor era um homem terrível contratado por seu pai para forçá-la a aceitar um casamento arranjado, e que ela na verdade ama um homem chamado Heinrich Dominiani, um bondoso médico que mora no país vizinho e inimigo, Gundarak. Ela pede então para que os heróis a encontrem na Velha Taverna Kartakense, a principal taverna daquele reino, onde ela explicará mais detalhes de como eles podem ajudá-la a se reunir com seu verdadeiro amor e escapar do casamento arranjado por seu pai.

Na taverna (a qual durante o dia é um restaurante chique e familiar e à noite é um antro de bandidos locais, muitos deles na verdade wolfweres), Akriel conta aos PJ o seu plano: eles devem resgatar a lendária "Coroa dos Soldados", um artefato mágico que pertencia à sua família e que há muito se perdeu, entregá-lo ao bondoso Dr. Dominiani, para que ele ofereça a coroa como dote, para que o pai de Akriel o aceite como genro. Akriel diz ter tido um sonho profético, com uma visão que revelou aonde está a coroa perdida, e dá aos jogadores uma localização aproximada do paradeiro do misterioso objeto.

Porém, o que os PJ não sabem é que Akriel na verdade está conspirando com o Dr. Dominiani (um vampiro servo do Duque Gundar, o dark lord de Gundarak) para destruir Harkon e tomar o poder em Kartakass. Além disso, o artefato na verdade se chama "Coroa das Almas" e é bastante perigoso: ela contém a alma aprisionada de Daglan, um antigo necromante, e quem a usar será lentamente possuído por Daglan. Mas creio que nem Akriel e nem o Dr. Dominiani soubessem disso. Na verdade, eles querem a coroa por conta de seu poder mágico: quem a usa consegue transformar pessoas em "Goblyns" (uma versão ainda mais cruel, feroz e sanguinária dos tradicionais goblins). 

O Dr. Dominiani é dono de um asilo onde ele supostamente trata pacientes doentes mentais - na verdade ele é um "vampiro cerebral", um tipo especial de vampiro que se alimenta dos fluidos espinhais e cerebrais dos pobres pacientes, que são na verdade prisioneiros em seu castelo. Seu plano era usar a Coroa das Almas para transformar os pacientes do asilo em um exército de Goblyns para invadir e conquistar Kartakass.

Mas por quê Akriel precisa dos PJ para fazer o trabalho sujo de pegar a coroa? Por dois motivos: 

Primeiro, a coroa está fora de Kartakass, e um dos poderes de Dark Lord que Harkon Lukas possui é fechar as fronteiras de seu reino com um feitiço que faz quem tentar atravessá-las cair em sono profundo. Como ele vigia de perto sua filha (pois desconfia dela), Akriel nunca consegue sair do domínio.

Segundo, a coroa está numa caverna pertencente à bruxa Radaga, uma clériga maligna e bastante poderosa, e a entrada de sua caverna é especialmente protegida contra wolfweres e licantropos em geral (Radaga sabe os vizinhos que tem). 

Depois de recuperar a coroa das mãos da bruxa (em um dungeon crawl pela caverna de Radaga), os PCs vão até Gundarak levá-la ao "bondoso" Dr. Dominiani, em seu castelo. Lá eles são recebidos como hóspedes e passam a noite. Nesta parte, começa outro dungeon crawl pelo castelo do terrível vampiro.

Eventualmente, os PJ conseguem sair do castelo, e a esta altura provavelmente já foi disparado o plano maligno de Daglan, o Necromante. Daglan era um necromante que viveu séculos antes da aventura ocorrer, e seu espírito foi aprisionado na Coroa das Almas. Quem quer que a utiliza, será lenta e inexoravelmente possuído pelo velho feiticeiro. É criado um pequeno "domínio" para o velho necromante, para onde os heróis são transportados para uma batalha final. 

Após o fim, fica a cargo do mestre se os PJ irão voltar para casa ou se continuarão presos no mundo de Caverna do Dragão  Ravenloft.

##FIM DOS SPOILERS##


Enfim, trata-se de uma aventura bastante interessante e longa, com trechos de dungeon crawl e aventura urbana, com muito espaço para roleplay - principalmente quando consideramos que ela se passa em um domínio cuja cultura é centrada em música e cujo Darklord é um bardo... Se houver algum jogador no grupo que gosta de jogar de bardo e realmente leva a sério a interpretação do personagem, há muitas oportunidades aí para que ele mostre seus talentos musicais e poéticos.

Se você pegar o livro e lê-lo de cabo a rabo, como eu fiz, vai ver que são necessários alguns consertos no enredo para que a aventura não fique longa demais e também para evitar muitas viagens de ida e volta entre Kartakass e o castelo do Dr. Dominiani, e também para tornar mais plausíveis alguns encontros com NPCs (que sinceramente os autores não souberam trabalhar bem). Corrigindo as falhas no enredo e enxugando onde for necessário, Feast of Goblyns tem o potencial para se tornar uma campanha, ou o ponto de partida de uma campanha em Ravenloft. O grupo de aventureiros conhecido como "Twilight Children", que narra uma mega-campanha de Ravenloft há mais de 10 anos (!) dedicou algumas de suas seções a esta aventura especial.

Algum de meus 7 leitores e meio (um deles é um Hobbit) já jogou ou mestrou esta aventura? Comente aí!

Por enquanto é só pessoal! Até o próximo post!

Cuidado com os lobos, e que as brumas não nos alcancem!