sexta-feira, 27 de maio de 2022

Se você quiser salvar a cultura nacional, então pare de tentar salvar a cultura nacional!

Nobilíssimos aventureiros, taverneiros e NPCs, hoje o bardo lhes traz um assunto um pouco mais sério.

Escrevo este post inspirado por um vídeo que vi já faz alguns anos (acho que por volta de 2016) em que o cara argumenta justamente isso: para salvar a cultura nacional, devemos parar de tentar salvá-la. 

Infelizmente não encontrei o vídeo, senão eu deixaria o link aqui. Ou foi deletado ou já está enterrado nos confins do youtube.

Lembro-me que o autor do vídeo usou os seguintes argumentos, ambos excelentes, em minha humilde opinião:

 - O Mickey Mouse não tem nada a ver com o folclore dos EUA, e nem com o folclore dos antepassados britânicos dos americanos, e hoje é um símbolo da cultura norte-americana;

e

- Já cansaram de fazer "jogo do saci", e isso nunca faz muito sucesso, porque geralmente um  "jogo do saci" é forçado. 

(E especialmente este último argumento é o que eu mais percebo na minha experiência. Acho que todo mundo que já estudou em escola pública no Brasil já passou por algo parecido, conforme veremos a seguir)

Eu vou além: o que Mário, Pokémon e Digimon têm a ver com o folclore japonês? Muito provavelmente nada. Talvez haja um tiquinho de folclore nipônico influenciando o design de algum Digimon ou pokémon, ou talvez alguns dos monstros que o Mario enfrenta sejam inspirados em lendas daquele país, mas não passa muito disso. 

O importante é que estas criações acabaram se tornando símbolos da cultura japonesa, assim como o Mickey Mouse e o Pato Donald se tornaram símbolos da norte-americana.

Aqui nós temos, infelizmente, uma mentalidade de vira-lata. Este assunto já foi exaustivamente discutido em diversos livros, sites, fóruns, etc. 

Portanto não vou me aprofundar nos aspectos amplos deste assunto. 

Vou focar somente no modo como isso afeta a nossa criatividade:  Essa mentalidade autodepreciativa acaba atuando de uma maneira meio paradoxal nas questões relativas à criatividade: 

1) Há alguns que se sentem mal, ainda que a um nível subconsciente, por nossa cultura não ser a "mais valorizada", ou não ter um local de destaque "no mundo".

2) Isso cria um certo ressentimento, principalmente em pessoas de mentalidade mais fraca, contra culturas que são mais "bem sucedidas" (geralmente o critério de "mais bem sucedido" é quase que exclusivamente o desempenho comercial, por mais incompleto  e imbecil que isso seja, afinal é óbvio que sucesso comercial não é sinônimo de qualidade.... a prova disso são os músicos que fazem sucesso hoje em dia, as nossas celebridades midiáticas, etc.).

3) O ressentimento faz com que tentemos nos apegar aos símbolos de nossa cultura que mais conhecemos, aqueles símbolos que nos ensinaram que representam a nossa cultura (no Brasil o símbolo mais famoso, no caso do folclore, deve ser o saci-pererê). É como se nos preocupássemos demais com os símbolos que em nossas mentes representam a nossa cultura.

4) Esse apego acaba servindo como barreira à criatividade, pois ao invés de tentar criar algo totalmente novo, ficamos presos ao nosso "apego", o que serve como âncora e que dificulta que saiamos do lugar. Um exemplo hipotético, para ilustrar o que quero dizer: digamos que alguém tentasse criar um desenho animado no Brasil. Provavelmente essa pessoa receberia conselhos e consultorias do tipo "você deveria criar um desenho animado do saci-pererê para valorizar a cultura nacional", e isto provavelmente iria tolher a criatividade do animador. (Não que necessariamente alguém fosse chegar e falar isto diretamente para o animador hipotético, nem que alguém fosse literalmente obrigá-lo a fazer um desenho baseado no saci... mas ele provavelmente se sentiria "na obrigação" de fazer isso, por influência do que aprendeu na escola... Quem nunca teve aquela professora de artes ou de língua portuguesa que vivia passando inúmeros trabalhinhos baseados no folclore nacional?). 

Será que os programadores da Nintendo que criaram o Mário ficaram pensando que "puxa, eu tenho que fazer um jogo em que o monstro é um kappa e o herói é um samurai, senão não estarei valorizando minha cultura..."?? Claro que não! Eles tiveram muita liberdade criativa e fizeram um jogo de um encanador italiano que entra em canos, come cogumelos e luta contra um exército de tartarugas lideradas por um dragão-dinossauro para salvar uma princesa. Há elementos de várias mitologias ao mesmo tempo, e ainda há coisas novas. Há até alguns elementos de folclore japonês também (só me lembro agora da roupa de tanuki no Super Mario 3), mas esse não é o foco dos jogos do Mário. O foco é ser divertido e jogável.

Pois é a própria mentalidade de vira-lata que cria esta falsa necessidade que "força" alguns produtores de jogos a criarem jogos baseados no  nosso folclore só porque sim. Eles não são totalmente livres para criar coisas novas. Eles geralmente programam um "jogo do saci" não para ser um jogo legal e divertido, mas para "valorizar a lenda do saci e o folclore brasileiro". O resultado disso costuma ser enfadonho e forçado. 

Esta questão da cultura nacional tem um outro lado também, que enxergo como culpa do nosso sistema de educação: a nossa história tende a ser ensinada de uma maneira muito chata, como se os professores e autores dos livros didáticos dissessem nas entrelinhas que "ah, o Brasil é um porre mesmo, nunca fizemos nada de bom e nem nunca vamos fazer, a nossa história não tem graça". Esse jeito de pensar na nossa história acaba respingando no ensino de literatura e artes nas escolas: o nosso folclore também é ensinado de uma maneira que faz ele ser chato. Geralmente as crianças aprendem sobre o nosso folclore como se estivessem vendo roupas velhas sendo exibidas em um museu de quinta categoria (eu literalmente tinha passeios na minha escola para um museu assim...), e não lendo livros de literatura fantástica, que é o que atiçaria a imaginação e criaria realmente gosto e despertaria a criatividade.

Acho que tudo isso precisa mudar. Não tenho a resposta certa, nem a "fórmula mágica infalível". 

Só sei que o jeito como está, está errado.

(PS: eu não tenho nada contra o saci-pererê. Apenas usei-o como metonímia porque o autor do vídeo que inspirou este artigo também o usou assim, e porque acho que ele é, como eu escrevi, a criatura mais conhecida das lendas nacionais e a mais representativa do nosso folclore)

domingo, 22 de maio de 2022

Resenha - Aventura antiga para Ravenloft - "Thoughts of Darkness"

 


Saudações, aventureiros e mestres! 

Faz bastante tempo que não escrevo nada sobre Ravenloft aqui no blog, então resolvi fazer uma breve resenha sobre esta aventura, cujo livro li recentemente (por pura curiosidade), mas nunca joguei.

Uma aventura bastante difícil, para no mínimo 4 personagens de níveis 12 a 15 (AD&D 2e).

Passada no domínio de Bluetspur, de Ravenloft, provavelmente o domínio favorito de ninguém, esta é uma aventura que eu não teria coragem de mestrar para jogadores, dada a enorme frustração que ela provavelmente trará. Por outro lado, pode ser que se torne um desafio interessante, conforme veremos a seguir.


Primeiro, falemos sobre este Domínio onde se passa a história:


antes da grande conjunção , Bluetspur fazia parte do núcleo do semiplano de Ravenloft


 


Bluetspur é uma verdadeira terra de pesadelos, totalmente desolada e estéril, onde praticamente nada consegue viver. Ela lembra um pouco aquele mundo distorcido da cena do eclipse, do mangá Berserk, e ao mesmo tempo tem um toque de mundo alienígena (provavelmente inspirada em Marte). A terra é árida e rochosa, e não há distinção quase nenhuma entre dia e noite: durante o dia o céu é escuro, porém com um "halo" rosado no horizonte, como um eterno nascer ou pôr do sol em 360°. À noite, o halo rosado desaparece e uma tempestade de relâmpagos assola aquela terra maldita. Toda "noite" é marcada por tempestades incessantes de relâmpagos.

A única coisa que realmente vive em Bluetspur é uma colônia de ilithids (mais conhecidos como devoradores de mentes ou "mind flayers"), a qual mantém um imenso "rebanho" de escravos humanos para fazer os trabalhos pesados e servir de alimento, além de alguns escravos drows e duergars para servirem de guardas. Os ilithids , assim como praticamente qualquer raça alienígena retratada em livros de fantasia e ficção científica, conduzem horríveis experimentos biológicos em seus escravos, transformando -os em deformadas criaturas animalescas e/ou utilizando seus corpos como hospedeiros para as larvas de sua terrível espécie. 

Os Ilithids mantém todos os escravos sob um constante controle hipnótico, e obedecem somente à autoridade de seu "deus-cérebro", que vive nos subterrâneos do domínio (um "deus-cérebro" é o estágio final da vida de um ilithid, mas óbvio que nem todos alcançam esse estágio... a maioria é absorvida por algum "deus-cérebro" já existente e perde completamente sua individualidade, enquanto que seus conhecimentos e habilidades psiônicas são absorvidos pela grande biomassa do "deus-cérebro", incrementando os poderes já vastos da criatura)


Agora falando sobre a aventura "Thoughts of Darkness" em si (Se não quiser spoilers, não leia! Você foi avisado!):

- Como me parece ser tradição das aventuras antigas de Ravenloft, ela começa com uma cena que não tem nada a ver com o restante da história,  mas que está lá só para mostrar como vai ser o clima do jogo. No caso de Thoughts of Darkness, trata-se de uma cena onde há uma sequência de luta dos PJ enfrentando um adversário  em seus pesadelos. Provavelmente eu pularia essa cena se mestrasse essa aventura. Não faz muita diferença para a história.

- Desde que os PJ chegam a Bluetspur, eles ficam ouvindo um zumbido constante e quase enlouquecedor (e que o livro pede a todo momento que o mestre relembre aos jogadores) - trata-se da influência psíquica do deus-cérebro, que cobre todo o domínio e vai aos poucos causando loucura e submetendo a vontade de todo ser inteligente que pisa em Bluetspur. 

- Por causa dessa influência psíquica do deus-cérebro, nenhum PJ consegue recuperar pontos de vida enquanto descansa. O deus-cérebro os atormenta desde o primeiro instante provocando ilusões e pesadelos, e alguns destes chegam a ter efeitos reais nos corpos dos personagens!

- Se os PJ não trouxeram provisões com eles, certamente vão passar fome durante o tempo em que permanecerem em Bluetspur, pois não há animais e nem plantas por aqui... (exceto os ilithids, os escravos e os fungos que são cultivados para alimentar os escravos)

- O ambiente hostil fica ainda pior à noite, por conta das tempestades elétricas. Os PJ desabrigados à noite devem testar a cada turno para ver se foram atingidos por raios e tomar muito dano. Acho que mesmo com o alto nível exigido para os PJ neste cenário (12 a 15), acho plausível que ao menos 1 personagem do grupo morreria numa destas tempestades, caso desse muito azar nas jogadas...

-Há uma colônia de escravos fugitivos, vítimas dos cruéis experimentos que deformaram permanentemente seus corpos (autointitulados "shattered brethren" >> algo como "irmandade dos estilhaçados" ou "irmãos estilhaçados") que vive escondida aguardando uma chance de se vingar de seus antigos mestres. As ilustrações de alguns deles me faz lembrar dos "apóstolos" do mangá Berserk... principalmente o homem-besouro que serve de ilustração para representá-los no fim do livro:



- Por conta do alto nível exigido dos PJ para esta aventura, os encontros são sempre contra muitos monstros, e monstros poderosos: é normal haver encontros com grupos grandes de drows, anões duergars, aranhas gigantes, pesadelos, gigantes de pedra, e, obviamente, ilithids, com todos os ataques e defesas especiais que estes monstros possuem. Imagino que as batalhas nessa aventura durem sessões inteiras, pois quase todos os inimigos encontrados conseguem lançar magias. Não há nenhum monstro fraco nesse livro!

- A chance de a aventura dar errado é muito alta, pois é necessário interagir com NPCs que foram transformados em monstros pelos ilithids, então jogadores mais empolgadinhos poderiam matar NPCs importantes, julgando-os pela aparência monstruosa. A personagem-chave desse cenário, Annitella, anteriormente uma bela humana ladina, foi desfigurada por seus captores de tal forma que ela ficou realmente parecida com um mind flayer (tentáculos no rosto, etc.), e os jogadores a encontram logo no começo da história, levando uma surra dos guardas drows e duergars e do NPC mais PNC (entendeu, entendeu?) dessa história, Bonespur, o mercador de escravos. A única pista que se tem, a princípio, de que se trata de uma criatura boa e que deve ser ajudada pelos jogadores, é o fato dela estar apanhando de um bando de vilões óbvios. 

- Orientados por Annitella, os jogadores devem infiltrar-se no covil dos Ilithids e recuperar um artefato mágico poderoso que está sendo cobiçado pelo grão-mestre ilithid (o segundo no comando, logo abaixo do deus-cérebro), o qual deseja apossar-se do artefato para conseguir transformar-se em um vampiro-ilithid para drenar os poderes do deus-cérebro e com isso ocupar seu lugar no topo daquela distorcida sociedade. 


- O grão-mestre está sendo ajudado pela vampira Lyssa von Zarovich (a sobrinha-neta do famoso Conde Strahd von Zarovich, que deseja fazer uma aliança com os ilithids para invadir Baróvia com um exército e com isso tomar o lugar do Conde como governante daquele domínio). 

A bela e mortal Lyssa von Zarovich.... Provavelmente foi posta nesta aventura só para fazer referência ao Conde Strahd e para dar o único toque de terror gótico ao livro...


- O artefato mágico é um bastão de cristal chamado "Bastão de Houtras", o qual funciona como uma chave para acionar uma máquina mística chamada de "O Aparato", o qual servirá para transferir a mente do grão-mestre ilithid para o corpo de uma larva ilithid vampírica (ilithids não podem ser transformados em vampiros pela maneira...digamos... convencional, então esse complicado  processo é necessário para dar poderes vampíricos para o grão-mestre)... As larvas vampíricas, por sua vez, são criadas transformando em vampiro o hospedeiro humano de larvas ilithid "convencionais". Alimentando-se da essência da mente de um vampiro, tais larvas acabam transformando-se em vampiros-ilithids. Porém, tais aberrações são essencialmente caóticas e insanas, sendo incontroláveis até mesmo para os ilithids adultos (não fica claro se o deus-cérebro conseguiria controlá-los) - os PJ chegam a enfrentar alguns grupos desses híbridos no começo da aventura.

Ilithid vampiro


- O tempo todo o deus-cérebro está ciente das intenções do grão-mestre, por mais que este tente mantê-las ocultas em sua mente.  Na verdade, o deus-cérebro está se divertindo, conduzindo os aventureiros para enfrentar o grão-mestre.

- No clímax da aventura, o grupo chega até o covil do cérebro-deus,  mas a criatura é desproporcionalmente poderosa e controla facilmente a mente de qualquer um que tente enfrentá-lo. Imagino que alguns PJ morram nessa batalha, por conta do inimigo excessivamente poderoso. Acontece então um sacrifício heróico (esse spoiler eu não vou dar) e os PJ se vêem de volta à superfície de Bluetspur, de onde poderão escapar, finalmente. 


Comentários do Bardo:

- Em minha pesquisa para escrever este post, me deparei com algumas pessoas (inclusive um youtuber do tipo "zé-barbinha") classificando esta aventura como sendo "horror cósmico". 

Simplesmente incorreto. 

Provavelmente classificaram assim só porque a aparência dos ilithids é inspirada no Cthulhu (cabeça de polvo, poderes telepáticos, etc), então os incautos associam "se tem Cthulhu então é horror cósmico". Para ser um horror cósmico, a aventura deveria girar em torno do fato dos personagens estarem diante de algo incompreensível para eles, algo totalmente fora da realidade, e o simples fato de testemunharem isto os deixa completamente insanos e incapazes de agir. AD&D não combina com horror cósmico porque os personagens sempre são heróis que podem fazer algo a respeito de praticamente qualquer situação. 

Esta aventura tem elementos de high fantasy, ficção científica e uma pitada de "body horror" (mas bem leve, nada que se compare ao que vemos em filmes trash como The Thing ou The Void). 

Por mais que o próprio Cthulhu e suas crias estelares constem de pelo menos uma das versões do manual de monstros de D&D, mesmo que o próprio apareça em uma aventura, ela provavelmente não seria horror cósmico, a não ser que a mesma girasse em torno do fato dos PJ serem incapazes de fazer qualquer coisa contra o monstro e completamente impotentes de pararem a trama que está lenta e inexoravelmente em curso para levar a humanidade a um fim catastrófico.

- Esta aventura funcionaria melhor trocando o começo dela para algo do tipo "os PJ encontram um artefato maligno que abre um portal para outra dimensão, o que os leva à terra desolada de Bluetspur", ao invés de "os PJ simplesmente acordam em Bluetspur". No site da Fraternity of Shadows, o cara que fez o review desta aventura descreveu ter feito algo assim quando mestrou este livro.

- A aventura em si não tem nada de terror gótico, o que a torna meio que um peixe fora d'água em Ravenloft (aliás, poucas são as aventuras oficiais de Ravenloft que são realmente de terror gótico). Acho que os autores simplesmente quiseram usar os mind flayers em um produto do cenário só porque sim e aí escreveram esta aventura bizarra. Está mais para ficção científica. Notem que ela funcionaria em cenários de RPG mais futuristas, apenas com algumas adaptações.

- A própria terra onde se passa a história é tão desolada que não dá muito espaço para que outras aventuras sejam escritas tendo Bluetspur como pano de fundo. Acho que para ficar legal, só fazendo uma história que se passa no passado, antes da terra ficar daquele jeito... talvez Bluetspur tenha sido um reino humano/élfico/anão normal como outro qualquer, até que os ilithids invadiram, derrotaram as forças daqueles reino e desolaram a terra. Acho que isto seria uma backstory bem interessante.


Por enquanto é isso, confraria.

Algum dos meus 7 leitores já jogou esta aventura?

Forte abraço!

Que as brumas não os alcancem!

terça-feira, 10 de maio de 2022

Minhas regras caseiras para os ferimentos dos personagens

 


A lógica por trás dos pontos de vida geralmente é algo que muitos não entendem. 

Isso talvez seja explicado pelo fato de que na vida real os ferimentos de uma pessoa, sua saúde,  doenças,  etc. não sigam uma lógica muito cartesiana, como o sistema de pontos de vida pode nos levar a crer. 

Assim, por exemplo, um PJ com apenas 1 ponto de vida não pode ser imaginado como se estivesse crivado de flechas pelo corpo todo e bastasse apenas mais um soco para que ele caísse morto ou inconsciente (no AD&D2e ao atingir 0 ponto de vida o personagem está inconsciente, e ao atingir 10 pontos negativos ele morre. Não sei como é na 5e, até porque como todo clérigo desta edição faz milagres desde o primeiro nível, então deve ser muito difícil alguém chegar aos -10 de HP, tendo um clérigo no grupo)

Aqui vemos Boromir com 1 ponto de vida


Devemos pensar em um personagem que esteja nos 10% finais de seus pontos de vida como alguém talvez coberto de cortes e hematomas, um ou outro ferimento de arma cortante, e com certeza alguém muito
cansado, com poucos reflexos, incapaz de se defender propriamente de golpes do inimigo.

Esta é,  a meu ver, a lógica de uma escala numérica para medir a "vida restante" de um personagem.

Mas eu sempre achei que, não importa quantos pontos de vida o PJ ainda tenha, dependendo do tipo de golpe que ele levou, ele deveria sofrer alguma penalidade além da perda de pontos de vida (ou até mesmo ao invés da perda de pontos de vida) 

Por exemplo, o PJ pode ter tido uma das mãos ferida pelo golpe de espada do oponente, impossibilitando-o de usar aquela mão até se recuperar. 

Ou pode ter quebrado o braço que segura o escudo após  levar um golpe violento de maça de um troll, também impedindo-o de usar aquele braço (e o escudo) até se recuperar (e comprar outro escudo para substituir o que se quebrou).

Óbvio que esses efeitos não podem ser aplicados em qualquer dano de qualquer combate. Não seria razoável se em todo dano houvesse essa penalidade extra. 

Assim, acho que critérios razoáveis  para sortear tal tipo de dano seriam:

A) O personagen está nos 20% finais de seus pontos de vida

e/ou

B) A diferença entre a Força do personagem e a do adversário é superior a 5 pontos.

O critério "A" ilustra o caso do personagem cansado, machucado e com dificuldades de se defender, o que facilita a ocorrência de tais ferimentos. Afinal, ele não está no melhor de sua forma.

O critério "B" ilustra, por exemplo, o que poderia acontecer se alguém tentasse "tankar" um golpe de um troll, de um ogro, ou qualquer outro monstro de grande porte.

Eu costumava preparar uma tabela aleatória de penalidades, normalmente para sortear ao rolar um dado. 

Exemplo:

Danos colaterais contra ataques cortantes:

1 -nenhum dano

2 - corte na mão da arma (penalidade de -1 nas jogadas de ataque)

3 - corte no braço da arma (penalidade -2 nas jogadas de ataque e -1 em testes de FOR)

4 - corte profundo em uma perna (-1 de DEX)

5 - corte profundo na mão  da arma (não pode usar esta mão até se recuperar e se usar a outra mão sofrerá penalidade de -3 nas jogadas de ataque)

6 - corte profundo no rosto (-1 CAR e  penalidade -2 em testes de DEX)

Outras tabelas aleatórias de ferimentos para outros tipos de dano podem ser feitas, além de haver outros danos colaterais que podem ser incluídos.


Outras regras para dificultar um pouco a vida dos jogadores, principalmente os da 5e:

- clérigos não podem emendar ossos quebrados "em campo" - é necessário que o ferido fique alguns dias em repouso absoluto.

- criar uma tabela de doenças para as diferentes condições climáticas (insolação,  hipotermia, resfriados, etc),  e para diferentes tipos de inimigos (aqui serviria para aumentar o perigo dos encontros com animais selvagens e com alguns tipos de monstros - por exemplo, a possibilidade de o PJ contrair raiva caso seja mordido por um lobo ou um rato)

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Armas Medievais - A Espada Longa

Saudações, aventureiros e taverneiros e meus 5 leitores! 


Quebrando um pouco o silêncio do blog (a vida tem exigido mais de mim nos últimos tempos, e também estou ocupado escrevendo outra aventura para publicar no Dungeonist e no DriveThruRPG), trago-lhes mais um post sobre armas medievais, desta vez falando sobre uma das favoritas dos aldeões e aventureiros, estando presente em praticamente todo "kit de guerreiro iniciante", com seus famosos 1d8 de dano (ao menos na maioria dos sistemas de regras que conheço). A famosa espada longa!


Esta bela espada longa alemã (Langschwert) está à venda pela bagatela de 730 euros no site swords and more! 

A espada longa é simplesmente o mais famoso "modelo" de espada, e é o que mais caracteriza os heróis na cultura popular, especialmente em histórias de fantasia medieval.

A espada longa era uma lâmina de aço que media de 80cm a 1,20m, e pesava algo entre 1kg e 3kg. A respeito do peso, lembro-me de que quando eu era criança havia uma noção errônea ensinada por professores de história nas escolas de que "espadas eram armas muito pesadas". Tal noção era apenas meia verdade: as espadas longas pesavam em média 1 quilo e meio, e as espadas Zweihander pesavam no máximo uns 4 ou 5 quilos, o que não corresponde à imagem que os professores tentavam passar. Porém, imagine manejar por horas, durante um combate aguerrido, um pedaço de metal pesando 3kg. Realmente devia cansar e ficar pesado depois de alguns minutos de peleja.


Como em qualquer espada, o tipo de guarda influenciava na forma que a mesma podia ser usada. Basicamente, como o nome sugere, a guarda servia para proteger a mão do espadachim quando o mesmo aparasse a lâmina do inimigo usando sua espada (ele poderia ser seriamente ferido quando a lâmina adversária deslizasse para baixo, em direção à sua mão). Porém, havia outros formatos de guarda que além da proteção permitiam outras ações, tais como capturar e até mesmo quebrar a lâmina do oponente. Um exemplo bem interessante é o da figura abaixo:



 Trata-se de uma espada inventada em Portugal na época das grandes navegações chamada de "Espada Preta de Bordo". Usada por marinheiros portugueses e por soldados lotados nas guarnições das feitorias construídas na África, ela era pintada de preto para não refletir a luz do sol (facilitando sua ocultação) e para proteger a lâmina contra os efeitos corrosivos da maresia. 
O formato da guarda, lembrando um caranguejo com as garras á mostra (daí o outro nome da espada: "Espada de Caranguejo" ou simplesmente "Carangueja") servia justamente para capturar lâminas adversárias e, com uma rápida torção, talvez até quebrá-las. Além dos "ganchos" da guarda, havia discos achatados que garantiam proteção a mais à mão do espadachim, e que também podiam ser afiados, funcionando como duas lâminas extras para ferir o oponente. Devido ao formato da guarda, outro nome para esta espada, conforme da gíria dos soldados e marinheiros que a empunharam, era "colhona", pois os discos e anéis da guarda lembravam o formato de colhões, enquanto que a lâmina da espada em si...bem, vocês entenderam!

Aliás, nota-se que a guarda da "Colhona" / "Carangueja", com seus discos afiados, representava uma evolução da chamada "Guarda Portuguesa", comum nas espadas ibéricas do período das grandes navegações.  Vejam na figura abaixo, que estão presentes os anéis para prender lâminas inimigas, mas não os discos das caranguejas:

crédito da imagem: Anno 1471 > excelente blog sobre história militar portuguesa, focado nas Grandes Navegações, e também em armas e armaduras. Recomendo a leitura! Já adicionei à minha blogroll

Consta que as espadas longas fabricadas mais ao norte e ao centro Europa costumavam ter a ponta mais arredondada, não sendo adequada para estocar, apenas para cortar, e que as versões forjadas pelos ibéricos e italianos possuíam mais comumente as pontas afiadas, servindo também para dar estocadas nos inimigos e sendo, portanto, mais versáteis. 


Enfim, creio que a espada sempre foi e sempre será a arma-símbolo do herói, talvez o arquétipo da própria palavra "arma" em si.


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Agora falando sobre Espadas Longas em um tom mais lúdico:

- Em um jogo de RPG, eu incluiria na descrição de uma espada longa o formato da guarda, e caso fosse do tipo que captura e quebra lâminas inimigas, eu acrescentaria uma chance de algo entre 5% e 15% (a depender do nível do personagem, é claro) de durante o combate o PJ armado de espada longa capturar ou quebrar a arma do inimigo.

- "Na internet" há um debate que se arrasta por anos a respeito de qual arma seria superior: a espada longa ou a katana. Na opinião pessoal deste humilde bardo que vos entretém, a espada longa é superior à arma nipônica no quesito militar, principalmente por conta da guarda, a qual era quase inexistente na espada curva oriental, mas a katana é superior no quesito arte. O modo como os ferreiros da terra do sol nascente forjavam katanas é quase uma cerimônia, um verdadeiro "ritual do aço".