domingo, 28 de janeiro de 2024

Sobre Wargames e a valorização da História

Uma coisa que eu observo, principalmente em países anglófonos (especialmente Inglaterra e EUA), é a valorização da própria História e o interesse pela História como um todo, com destaque para o mundo antigo (Grécia e Roma no geral) e medieval (com apelo mais forte para a Europa Central - infelizmente a Europa Ibérica e a Europa Mediterrânea ficam meio que de fora dessa esfera de interesse, e eu tenho uma teoria de que isso ainda é o resquício de uma propaganda estatal anti-ibérica incentivada pelo Reino Unido na época da colonização, tendo em vista que os Impérios Português  e Espanhol eram bastante fortes e de certa forma concorrentes dos britânicos na conquista do Novo Mundo).



Esta valorização da história teve como um de seus efeitos colaterais, digamos, mais mundanos, a criação de diversos jogos de guerra baseados em momentos da história e vários até mesmo focados em batalhas específicas. 

Por exemplo, creio que as da Guerra dos 100 anos sejam as mais apreciadas,  ao que me parece, especialmente as batalhas de Agincourt e Crécy, e outras guerras que aparecem muito em wargames são a Guerra Civil Americana, a Guerra de Independência dos EUA, a Batalha de Falkirk, a Guerra das Rosas, e fora a infinidade de wargames baseados inteiramente nas guerras napoleônicas - aliás, "Napoleônico" é todo um gênero de war game.

(E de certa forma wargames me parece que são uma coisa bem forte na cultura centro-européia, pelo menos desde que os generais prussianos usavam seus Kriegspiel para simular batalhas e pensar em estratégias de guerra... Os Kriegspiel eventualmente deixaram de ser só uma ferramenta de planejemento militar e adentram a esfera dos hobbies, dando origem aos wargames... é bastante interessante pensar que esses Kriegspiel prussianos iniciaram uma bola de neve que, uns 200 anos depois, culminou em D&D e em todos os RPG!)



Falando de nosso país, embora o Brasil seja (graças a Deus!) um país pacífico, tivemos nossa cota de guerras no passado, principalmente no período colonial e no Império. 




Talvez pudéssemos valorizar nossa história, (sem ser forçado, claro, pois tudo forçado fica chato), e produzir jogos com base nestas guerras. 

(Ou então adotar os jogos baseados nas guerras estrangeiras e jogá-los melhor e com mais paixão do que os estrangeiros)



Mas aqui, infelizmente, somos ensinados a desprezar nosso país e nossa história desde cedo, numa espécie de "viralatização" forçada, então é óbvio que esse tipo de iniciativa receberia pouquíssima atenção e apoio. Seria mais uma coisa de nicho, que nem os RPG no geral. 

Mas, mesmo assim, eu fico impressionado em como que lá fora, mesmo RPG e wargame também sendo hobbies de nicho, há inúmeras empresas que vendem miniaturas, por exemplo, e aqui mal temos duas ou três. Lá fora também há diversas editoras de RPG, não só as ligadas a D&D e à WotC, e aqui praticamente só tem uma, ou duas, e nenhuma parece realmente interessada em crescer. Eu sei que nosso governo e nossas leis dificultam muito a atividade empresarial como um todo, mas ao mesmo tempo sinto que nossas empresas não têm ímpeto, não têm vontade de fazer grandes coisas, parece que gostam de ficar na mesma, entendem? 

Eu realmente sinto como se o Brasil como um todo, em todas as suas áreas econômicas e em todas as demais áreas relativas à criatividade, fosse um bonsai, cuidadosamente podado para nunca crescer além do vaso que lhe foi designado... (e de certa forma os pobres e a classe média do Brasil também são podados para nunca crescerem...)

Além disso, acho que especificamente no caso dos RPG e wargames pesa um pouco o fato de que não tivemos uma "Idade Média" no Brasil: as nossas guerras seriam classificadas, caso fossem cenários de um war game, como "Coloniais" (no caso das travadas no período das Capitanias Hereditárias), ou digamos, "Napoleônicas" (no caso das guerras do Primeiro e Segundo reinado e da Regência, e talvez as iniciais do período republicano). 

Eu particularmente acho que a Idade Média é o período que mais têm apelo no gosto do público jogador em geral, principalmente nos jogadores de RPG, mas dentro dos war games acho que isso fica meio dividido, pois o público que gosta das guerras napoleônicas é bem grande também. E nem sei se "Colonial" é mesmo um gênero de wargame, pode ser apenas uma variante do "Napoleônico", só que mais focado em "guerrilhas" do que em batalhas de grande escala, e com um cenário mais, digamos, tropical.

(Eu pessoalmente prefiro o período medieval, especialmente batalhas que envolvam cercos)

Para criar jogos de guerras medievais para "valorizar nossa cultura" (repito: nunca façamos isso de maneira forçada, porque senão fica chato!), teríamos que ou criar guerras fictícias passadas no Brasil colônia (digamos, imaginar que os portugueses construíram castelos no Brasil e sofreram cercos dos franceses, ou vice-versa) ou nos basear em guerras reais ocorridas no medievo Português e Espanhol, nossos principais antepassados europeus, ou então nas guerras dos reinos Visigóticos, Alanos e Suevos do início da Idade Média,  tendo em vista que tais povos  são antepassados dos portugueses e espanhóis (e por tabela nossos antepassados também).  E também nas guerras do reino de Al-Andaluz, nossos antepassados mouros.





Nós brasileiros somos herdeiros de todas estas tradições, embora frequentemente nos esqueçamos disso.

E se quisermos criar jogos com base em nossas guerras coloniais e do período imperial / república da espada, será necessário estudar de maneira mais aprofundada as batalhas dessas épocas (pois o que geralmente aprendemos na escolinha a respeito destas batalhas é muito en passant e geralmente só decoreba envolvendo os nomes das batalhas e quais eram os lados em conflito, sem nunca aprofundar) - deveríamos estudar os contingentes dos lados beligerantes, os movimentos das batalhas, a geografia dos locais das batalhas e suas influências nos movimentos das tropas, etc. - mas creio que as fontes para este estudo sejam um tanto obscuras. De qualquer maneira maneira, tais guerras combinariam mais com regras para wargames do tipo "napoleônico". 

Mas aí voltamos ao problema de que nossa história é ensinada, desde que somos crianças, de tal maneira que crescemos com a noção de que ela é "chata" (por "chata" entendam: sem muito apelo para fazer jogos, romances de aventura, filmes, etc.). Talvez seja mesmo, ou talvez não, eu sinceramente não sei ao certo. Acho que tentamos muito pouco dar uma valorizada nas nossas coisas, e nas poucas vezes que tentamos somos sabotados, tanto por pessoas de dentro quanto por pessoas de fora do país. E muitas vezes essa sabotagem não é nem no sentido de impedir que as coisas sejam feitas, mas sim no de dar uma direção ruim para as coisas (por exemplo, fazer ficar forçado e chato - no sentido usual da palavra chato). 

Acho que deveríamos nos esforçar um pouco mais para sair desse marasmo! 

Por exemplo, eu acho que a Guerra do Paraguai daria um bom cenário de wargame "Napoleônico", assim como as várias batalhas da nossa guerra de Independência. E talvez poderíamos fazer "versões medievais" de tais guerras, para dar um sabor a mais. Por exemplo, eu no momento estou escrevendo, já há mais de 1 ano, um livro de regras para um wargame medieval e pretendo  um dia escrever uma versão medieval (e depois, quem sabe, outra mais realista) da Guerra de Canudos. Eu acho que daria um cenário bem legal para um wargame!




Talvez a história da Inglaterra, da França, etc. sejam bem chatas também, mas eles conseguiram fazer uma "propaganda" boa de suas respectivas histórias, criaram toda aquela mística em torno da figura dos cavaleiros medievais, da Guerra dos 100 anos, das batalhas de Agincourt, Crécy, Tours, Lepanto, etc. Talvez seja só uma questão do modo como as coisas são contadas: os ingleses vivem realçando como seus longbowmen eram fortes e versáteis,  e como que o longbow era uma arma difícil de ser dominada, que era "para poucos", etc. e criaram toda uma mística em torno de como os "invencíveis arqueiros ingleses" mudaram o desfecho de várias batalhas da guerra dos cem anos. Os franceses valorizam muito seus paladinos, há muitas histórias e romances de cavalaria escritos há séculos que realçam seus grandes feitos em combate, sua coragem, honra, dentre tantas outras virtudes associadas aos cavaleiros. E tais escritos influenciam toda uma mentalidade, uma imagem que os franceses têm de si próprios, assim como foi feito pelos ingleses.

Por quê aqui não fazemos isso também?

Se fizéssemos o mesmo em relação à nossa história, aos nossos heróis, os grandes guerreiros e capitães de nosso passado  talvez aí encontrássemos um tesouro esquecido.


Reflitamos, confraria.