domingo, 28 de maio de 2023

Resenha - "I, Strahd, The Memoirs of a Vampire"

Acho que toda empresa ligadas às artes em geral, especialmente literatura e cinema, precisa estar sempre lançando novos produtos, e produtos bastante variados, para manter seu lugar ao sol. No caso das empresas do mercado de RPG, creio que a saudosa TSR (sucedida pela atual "Weaks of the Coast", ou como os colegas de blogosfera RPGzística já estão chamando, "Warlocks of the Coast") foi a que chegou mais longe em termos de diversificação. Além dos diversos cenários de RPG (Greyhawk, Forgotten Realms, Mystara, Birthright, Dark Sun, Dragonlance e, é claro, Ravenloft), a empresa também lançou livros de literatura fantástica baseados nos mundos de seus cenários de RPG. Acho que todo cenário teve pelo menos uma série de livros de fantasia baseados neles (exceto, talvez, Mystara, mas não tenho certeza quanto a isto). 

Claro que tais livros foram escritos puramente para fins comerciais ("cash-grab" é o que me vem à mente), embora sempre possa haver a justificativa de servirem como materiais auxiliares aos Mestres de jogos (para auxiliá-los na imersão, para detalhar mais os mundos e seus personagens, etc.), e tais livros de fato serviram a este propósito (e acho que ainda servem, pelo menos para os jogadores que mantém acesa a chama do old school). Claro que não se poderia esperar encontrar Alta Literatura neste âmbito, mas obviamente há livros bons a serem encontrados e lidos.

Ravenloft teve uma tiragem razoável de romances ambientados no semiplano do pavor: de 1991 a 1999 foram publicados 20 livros. Atualmente alguns foram reeditados e podem ser encontrados à venda até mesmo para o kindle (porém com capas com artes new school, bastante inferiores às originais). Os que não tiveram reedições se tornaram peças raras, e são encontrados à venda no e-bay por preços salgados, e raramente são vistos no Mercado Livre, mas por preços exorbitantes ("Trato Feito" e outros programas semelhantes foram um desastre para os colecionadores brasileiros...).

Recentemente li um destes livros e resolvi escrever esta breve resenha.



"I, Strahd - The Memoirs of a Vampire" é um livro publicado em 1993 (30 anos atrás!) escrito por P.N. Elrod (autora de diversos livros de vampiro nos anos 90), majoritariamente em primeira pessoa, na forma do diário pessoal do Conde Strahd von Zarovich, o principal personagem de Ravenloft. O propósito do livro foi dar mais luz ao passado do terrível vampiro e com isso proporcionar um background mais complexo tanto para o personagem quanto para a terra de Baróvia, o primeiro domínio de Ravenloft.~

=~=~=~=~=~=~=~=SPOILERS~=~=~=~=~=~=~=~=

A história começa com o Dr. Rudolph van Richten, um herói recorrente nas aventuras situadas no semiplano do pavor, invadindo o castelo de Ravenloft para tentar descobrir mais informações a respeito do terrível Conde Strahd, o qual estava desaparecido há quinze anos. O velho herbalista suspeitava que o senhor de Baróvia fosse uma criatura sobrenatural e sobre-humana, mas não tinha certeza sobre que tipo de criatura ele poderia ser.  Também não se sentia confortável utilizando somente as informações disponíveis nos contos folclóricos do povo baroviano para tentar descobrir uma fraqueza ou alguma outra maneira de maneira de vencer o Conde. Desta forma, deu um jeito de invadir o infame castelo para tentar reunir informações de primeira mão a respeito da natureza do senhor de Baróvia. Adentrando a biblioteca, ele encontra um livro que havia sido deixado sobre a mesa, e ao lê-lo, vê que tratava-se do diário do próprio Conde Strahd. 

A partir deste ponto, lemos a história em primeira pessoa, sob a perspectiva do vampiro.


O diário começa alguns anos antes de sua transformação. Strahd era um conquistador, de uma linhagem nobre, que já estava lutando há muitos anos uma guerra para reconquistar a terra de seus ancestrais - Baróvia - a qual havia sido tomada por uma nação inimiga.  A guerra já estava no fim, e o exército de Strahd já havia derrotado o líder de seus inimigos e se apossado de sua última fortaleza (a qual viria não muito depois a se tornar o castelo Ravenloft).

Vemos desde já que, mesmo quando ainda era humano, Strahd já era um governante impiedoso: protegia militarmente seus súditos (como era a obrigação dos senhores feudais e reis na vida real), mas não tolerava aqueles que ousavam quebrar sua lei, sendo especialmente rigoroso quanto à cobrança de impostos - há uma cena em que ele vai pessoalmente com seu Estado-Maior em uma das cidades barovianas para coletar os impostos, e seu auditor analisa os registros e informa que estava faltando dinheiro, mesmo levando em conta a colheita ruim do ano anterior. O burgomestre titubeia e gagueja, e Strahd percebe que ele está vestido em roupas extremamente luxuosas, e que sua casa era um verdadeiro palacete diante das cabanas humildes do resto do povo daquela cidade. O Conde ordena então que o burgomestre tire suas roupas luxuosas, deixando-o só de ceroulas, e manda seus oficiais entrarem em sua casa e recolherem o que havia de valor para compensar o valor que faltava de imposto. Por fim, após esta humilhação pública, o burgomestre é decapitado para servir de exemplo.

Outra característica explorada no livro (e que contribui para um ponto chave da história) é o grande interesse de Strahd por magia. O Conde dedica parte de seu tempo, entre os afazeres governamentais, a procurar livros de magia e estudá-los. Porém, como não dispõe de tanto tempo assim, é um mago sub-mediano, conhecendo uns poucos feitiços (porém o suficiente para impressionar seus companheiros de batalha, os quais são completamente ignorantes no assunto).

Um belo dia, Strahd recebe em seu castelo seu irmão mais novo, Sergei von Zarovich, o qual estava destinado a ser um sacerdote (conforme o costume daquele mundo, o irmão do meio, Sturm von Zarovich, virou administrador das propriedades do pai. O filho mais velho, Strahd, seguiu a carreira militar, e o mais novo se tornaria um sacerdote). 

Devido à diferença de idade, Strahd sente um vago ressentimento, pois percebe que perdeu sua juventude envolvido em guerras quase sem fim (neste ponto da história ele está na casa dos quarenta e poucos anos de idade), enquanto seu irmão mais novo estava na flor da idade (Sergei estava na casa dos vinte e poucos anos), com toda a vida pela frente e ainda  com toda a força de sua juventude. Strahd começa a temer a chegada da velhice e a própria mortalidade. Isso também vai se tornar um ponto de extrema importância para a história. 

Após passar uma noite em uma pequena cidade próxima do castelo, Sergei conhece uma bela camponesa e se apaixona por ela, abandonando seus votos do sacerdócio e decidindo imediatamente casar-se com ela. Strahd acha aquilo um absurdo, um escândalo que traria desonra para sua família (afinal, não só Sergei abandonou seus votos religiosos, como também estava prestes a se unir com uma reles camponesa), até o dia em que Sergei traz sua amada ao castelo. Naquele dia, o coração de Strahd é fisgado pela belíssima Tatyana, e isso lhe causa grande tormento, pois a camponesa só tinha olhos para seu irmão, e tratava o Conde como alguém velho demais para despertar qualquer interesse amoroso (inclusive chamando-o, respeitosamente, por alcunhas como "mestre", "senhor", "patriarca", etc.). O casamento dos dois seria em breve, e isso atormentava sobremaneira o coração do Conde.

Eventualmente, a paixão de Strahd por Tatyana supera seu amor fraterno por Sergei, e o Conde começa a procurar por meios mágicos de conseguir roubar o coração da bela camponesa. O destino põe em suas mãos um livro macabro, através do qual os desejos sombrios em seu coração invocam uma entidade sobrenatural que lhe garante conseguir conceder o seu desejo. Strahd pede à entidade (a qual ele chama de "Morte", embora a entidade em nenhum momento revele seu nome) para torná-lo imortal, imune à velhice, e que lhe concedesse o amor de Tatyana; a entidade lhe promete que ele não envelheceria mais um dia sequer e que teria o coração da camponesa se cumprisse o ritual. Qual ritual, ela não diz, mas garante ao Conde que não é nada que esteja fora de seu alcance. 

Acontece que o principal general do exército (e braço-direito) de Strahd, Alek, ouviu a conversa de seu senhor com a entidade sobrenatural. Strahd percebeu isso, e não teve outra escolha a não ser matar seu general, temendo que o mesmo revelasse aos outros nobres seu pacto com a Morte. Um rápido duelo acontece, e ambos são mortalmente feridos. Strahd ouve a voz da Morte lhe dizendo para beber o sangue de Alek, e ele obedece. A partir daí começa sua transformação em um vampiro. Consumindo o sangue de seu general, Strahd se recupera de seus ferimentos mortais e entende que aquilo fazia parte do ritual. Em seguida, no dia do casamento, ele mata seu próprio irmão Sergei quando os dois estão sozinhos, e também bebe seu sangue, completando sua transformação em vampiro. O Conde percebe sua transformação, mas ainda não a compreende completamente. 

Não demora muito para o corpo de Sergei ser descoberto, provocando um grande escândalo entre os guardas, mas Strahd conseguiu fazer com que parecesse um assassinato político (e já planejava colocar a culpa em um dos nobres). Aproveitou a ocasião para dar as más notícias a sua amada Tatyana, e usaria a oportunidade para seduzi-la. Com seus poderes vampíricos, consegue hipnotizá-la e fazê-la apaixonar-se por ele. 

Foi neste momento que as Névoas retiraram Baróvia do mundo natural e a selaram no semiplano do pavor.

Tudo estava indo conforme o desejo de Strahd. Ele já tinha a vida eterna e o coração da mulher amada. Sua vitória parecia completa. Porém, o amor que Tatyana sentia por Sergei era muito mais forte, e seu "amor" pelo Conde Strahd não durou mais do que alguns minutos. Desesperada, Tatyana se joga no abismo, desaparecendo em meio à névoa.

Ao mesmo tempo, um complô para destronar Strahd, conduzido por Leo Dilisnya, um traidor na corte, começa a ocorrer. Os convidados do casamento que eram leais à família von Zarovich morreram envenenados, e as tropas de Dilisnya tomaram de assalto o castelo, matando muitos dos soldados leais a Strahd. O Conde, agora um vampiro, estava tão perturbado com o suicídio de sua amada que demorou a reagir. Porém sua reação foi mortífera. Organizou os poucos homens que lhe restaram e usou seus novos poderes para sobrepujar os invasores. Perseguiu os traidores, mas não conseguiu nesta ocasião matar seu líder, Leo Dilisnya.

Após isto, o diário relata a adaptação de Strahd a sua nova "não vida" vampírica, as adaptações que precisou fazer em seu castelo, a liberação de seus soldados de seu serviço (ele não queria se alimentar de seus velhos companheiros de guerra), e principalmente sua busca incessante pelo corpo de Tatyana, o qual nunca foi encontrado. O diário também revela que Strahd sabe que é um prisioneiro em sua própria terra, e que as Névoas não lhe permitem sair.

Mesmo sendo um vampiro e governando seu povo à distância (pois se se entregasse à sua fome, não demoraria muito para que não sobrasse ninguém em Baróvia), Strahd não deixou de aplicar rigorosamente sua lei e nem de cobrar impostos. Ele ainda precisava de dinheiro para, principalmente, adquirir livros de magia. Agora como um imortal, ele teria bastante tempo para estudar e adquirir conhecimentos mágicos que um dia lhe permitiriam, talvez, escapar de sua prisão.

Outro aspecto importante de seu tormento, do qual Strahd adquire ciência conforme os eventos vão se desenrolando: em sua vida eterna ele está amaldiçoado a sempre encontrar uma reencarnação de Tatyana e perdê-la novamente, e sempre de uma maneira trágica e repentina. Assim, outra motivação para encontrar uma saída de Ravenloft é poder libertar sua amada Tatyana deste ciclo aparentemente infindável de tragédias.

=~=~=~=~=~=~=~=FIM DOS SPOILERS~=~=~=~=~=~=~=~=

Enfim, conforme escrevi antes, esse livro não é nenhuma obra-prima, mas é um livro interessante e divertido,  que serve para distrair e nos inspirar a escrever aventuras de RPG ambientadas em Baróvia ou em qualquer cenário com uma abordagem mais gótica.

Os tropos góticos que vemos neste livro:

- a decadência e corrupção moral de Strahd, motivada pelo medo da própria mortalidade e da velhice, o que o conduziu ao fratricídio;

- o castelo Ravenloft, que se tornou o típico castelo gótico após a transformação de Strahd em vampiro (embora não haja uma boa descrição do castelo, fica subentendido que ele se tornou um verdadeiro castelo do terror, com masmorras, guardas mortos-vivos, etc.);

- a própria transformação de Strahd em vampiro, com todos os elementos comuns: habilidade de se transformar em morcego e em lobo, a necessidade de se alimentar de sangue de criaturas vivas, a fraqueza contra a luz do sol e contra símbolos sagrados, a fraqueza contra a fé, etc.

- A existência de uma maldição, não só sobre o personagem principal,  mas sobre toda a terra, em decorrência dos atos malignos de Strahd.

Mas, apesar de tudo, não considero que este seja realmente um exemplo de literatura gótica: está mais para um livro de fantasia com alguns elementos góticos, assim como a maior parte do que foi escrito para Ravenloft. 

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Ilustrações de Fantasia - O Senhor dos Anéis (arte "pré - Peter Jackson")

 Saudações,  aventureiros!


Desde criança gosto muito de ilustrações de livros de fantasia. Isso inclui desde os contos de fadas dos irmãos Grimm, iluminuras medievais, ilustrações de livros de diversas mitologias, e também livros de fantasia mais modernos (e por moderno me refiro ao final dos século XIX e o século XX).


Um exemplo que povoa o imaginário popular é o Senhor dos Anéis, que se tornou ainda mais conhecido graças aos filmes de Peter Jackson. Como eu só fui conhecer SdA por causa destes filmes, a minha imaginação foi bastante influenciada pelos visuais destes filmes. E estas imagens influenciaram muitas pessoas. Tanto que hoje em dia é difícil pensar em SdA sem associar aos filmes feitos no início dos anos 2000. Não que estes filmes sejam ruins ou visualmente feios. Muito pelo contrário,  eu os considero como um marco cinematográfico, e eles contribuiram sobremaneira para tornar a obra de Tolkien ainda mais conhecida. 

Por outro lado, sinto um pouco de "recalque" por não ter conhecido SdA antes do lançamento destes filmes, por não ter criado minhas próprias imagens mentais dos elfos, hobbits, Gandalf, Aragorn, etc antes que Peter Jackson fizesse isso por mim.

Por este motivo, considero todas as ilustrações das histórias tolkenianas feitas em períodos anteriores aos dos filmes verdadeiras jóias culturais, pequenos tesouros de uma época tão próxima e ao mesmo tempo tão distante. E considero privilegiados aqueles que puderam apreciar em seu tempo estas ilustrações e povoar suas imaginações com "diferentes versões" da Terra Média. 

Muitas delas têm aquele charme artesanal que tanto aprecio, uma "simplicidade complexa", que tem os elementos da fantasia num bom equilíbrio,  o que resulta  um certo brilho que tem se perdido nas ilustrações de fantasia feitas mais recentemente, e com ausência quase total (ou até mesmo total) nas ilustrações feitas por softwares de inteligência artificial (estas então muitas vezes são verdadeiras aberrações,  uma espécie de anti-arte, e não me refiro às ilustrações com defeitos óbvios, mas àquelas que passariam como feitas por humanos aos olhos incautos).

Dito isto, inauguro mais esta "série" em meu humilde blog, na qual tecerei breves comentários acerca de ilustrações de fantasia, seja de RPG, seja da pura e simples literatura fantástica.  O meu foco são as de temática gótica e medieval,  mas eventualmente podem aparecer por aqui ilustrações com temas distintos (antiguidade clássica,  grandes navegações,  piratas, futurismo, etc.).

Hoje lhes trago estas belas ilustrações oriundas do livro Middle Earth Role Playing (MERP), um antigo RPG baseado em Senhor dos Anéis.




créditos: Angus McBride


A ilustração acima, representado os membros da Sociedade do Anel, foi usada como capa para o livro básico do Middle Earth Role Playing (MERP), um RPG baseado em SdA publicado pela Iron Crown Enterprises nos anos 80 (até 1999, quando a empresa perdeu os direitos de publicar coisas baseadas nas criações de Tolkien. Uma pena para a empresa, pois não muito tempo depois os filmes do Peter Jackson seriam lançados, o que certamente alavancaria as vendas destes livros). 

O que mais me chama a atenção nessa figura são as cores e os estilos das roupas. Hoje em dia o normal é retratar cenas medievais com cores escuras, lúgubres, geralmente tons de cinza, e as roupas dos personagens tendem a ser como se eles se vestissem "embalados a vácuo", com roupas sempre sob medida. Tudo bem distante do que (provavelmente) foi a realidade. Embora os tons mais sóbrios também tivessem seu lugar, na Idade Média as pessoas se vestiam com cores vibrantes. Os estandartes com as heráldicas dos nobres eram coloridos, bandeiras tremulavam, e as pessoas usavam roupas coloridas e variadas. Havia muitos  festivais religiosos e dias santos a serem celebrados. A vida era celebrada. As roupas, embora não fossem tão confortáveis quanto as que usamos hoje em dia, eram suficientemente confortáveis para que as pessoas trabalhassem e vivessem suas vidas normalmente. Provavelmente eram usadas mais largas e folgadas do que estamos acostumados hoje em dia. 
 As roupas dos personagens da ilustração me passam uma ideia mais "idade média" do que as que normalmente se vê em produções mais modernas. E embora não sejam tão coloridas assim, têm mais cor que aquelas que os mesnos personagens vestem nos filmes do Peter Jackson. Menção honrosa para a camisa vermelha do Legolas e para o bigode do Aragorn!
Embaixo da árvore vemos Gollum se esgueirando, bem próximo da descrição que é feita nos livros: parecido com um sapo preto.
E, como eu sempre escrevo aqui, os personagens têm realismo. Nenhum parece ser um super-homem, ultra-musculoso, carregando dezenas de armas, com excesso de acessórios e trajando armaduras impossíveis de existir. Todos têm um físico normal, usam roupas, armaduras e armas normais. Dá pra ver o Gimli, em primeiro plano, usando uma cota de malha por cima de uma camisa normal, com sua capa de viagem por cima. Aliás, notem como o Gimli é realista, ao contrário do jeito que se tornou o padrão para retratar anões em ilustrações de livros de RPG (com ombros muito largos, que tornam impossível para um anão atravessar uma porta sem ter que andar de lado, e ainda por cima usando armaduras que agravam essa situação!). E, importante, todos estão em posições normais, ao invés de parecer que estão posando para um cartaz de filme da marvel, ao contrário de muitas ilustrações de fantasia que são feitas hoje em dia.

Em suma, na opinião deste que vos escreve, esta ilustração tem cores sóbriaspersonagens realistas, ainda que de um mundo de fantasia, e a própria composição é em si realista: um grupo de aventureiros viajando, usando roupas de viagem e carregando seus mantimentos. Ao mesmo tempo simples e complexa, com seus elementos na medida certa, sem os exageros que se vê hoje em dia nas ilustrações mais mainstream (digamos, nas artes "new school").


sábado, 13 de maio de 2023

Heróis do mundo real - Dom Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal

 Saudações, aventureiros!

Após alguns meses de ausência (muito trabalho, estresse, sangue, suor e lágrimas na vida real), retorno a este recinto para novamente limpar as teias de aranha. Para os meus 8 leitores assíduos, peço que se tranquilizem, pois não é minha intenção abandonar este humilde blog RPGzístico (o qual, modéstia à parte, considero uma das poucas ilhas de sanidade em meio ao mar insano dos espaços tomados pela 5ª edição!). Só não tenho tempo para postar com a frequência qie gostaria. E, claro, nem sempre tenho inspiração para postar.


Com este post, inauguro mais uma "série" em meu blog, a dos heróis do mundo real, na qual descreverei brevemente os feitos de algumas figuras históricas que considero que foram verdadeiros heróis de nosso mundo, com foco na história militar, quando for o caso. 

Começarei esta humilde série falando sobre o rei Afonso Henriques, o fundador de Portugal e, consequentemente, já que somos filhos daquela terra, o avô do Brasil.

Uma das principais fontes de consulta a respeito de sua história é um texto do século XII, de autoria anônima, chamado "Crônica dos Godos", um texto que resume a história da Península Ibérica entre os anos de 311 a 1184. Trata-se muito provavelmente de um texto escrito com o intuito de reforçar a legitimação do reinado de Afonso Henriques, pois sua condição de rei demorou a ser aceita pelos reinados vizinhos. 



O pai de Portugal e, por conseguinte, o avô do Brasil.

Dom Afonso Henriques, nascido provavelmente no ano de 1109 de Nosso Senhor, e provavelmente na cidade de Viseu,  foi um nobre da dinastia de borgonha. Seu primeiro título foi  o de Conde de Portucale. Seu pai foi o Conde Henrique de Borgonha (Burgúndia), ligado à nobreza daquele país. 

Após a morte do pai, Afonso Henriques lutou contra o exército de sua mãe, D. Teresa, a qual era aliada dos Galegos,  para disputar a sucessão do trono, e a venceu na Batalha de São Mamede, no ano de 1128. Esta vitória consolidou sua autoridade no Condado Portucalense.  

Conforme consta da Crônica dos Godos:

"No mês de Junho, na festa de S. João Baptista, o ínclito infante D. Afonso, filho do Conde D. Henrique e da rainha D. Teresa, neto do grande imperador da Espanha, D. Afonso, com auxílio do Senhor, pela bondade divina, mais pela sua diligência e trabalho do que por auxílio ou vontade dos pais, tomou na sua mão forte o reino de Portugal

Porquanto, morto seu pai o Conde D. Henrique, como ele ainda fosse criança de dois ou três anos, alguns indignos estrangeiros usurpavam o governo de Portugal, com o consentimento de sua (dele) mãe, a rainha D. Teresa, querendo ela própria presunçosamente governar no lugar do seu marido, afastando o filho dos negócios do reino. Valente como era (tinha já bastantes anos e um bom carácter) de maneira nenhuma sofria esta afronta demasiadamente vergonhosa, tendo convocado os seus amigos e os mais nobres de Portugal, que sobremaneira preferiam o governo dele ao da mãe e dos indignos estrangeiros, travou com aqueles batalha no campo de S. Mamede, que fica próximo do castelo de Guimarães e foram destroçados e derrotado por ele, uns fugiram da sua vista e a outros mandou prendê-los. Ocupou ele o governo e a Monarquia do reino de Portugal."

A partir daí, Afonso Henriques passou a concentrar seus esforços em elevar seu Condado à condição de reino, através da expansão de seu território pela via militar e também no campo político (por exemplo, ele nunca usou o título de "conde", pois isto deixaria clara a sua relação de vassalagem para com o rei de Leão e Castela). 

Em 1139, obteve uma vitória decisiva contra os mouros na Batalha de Ourique.  Diz a lenda que, antes da batalha, D. Afonso Henriques teria tido uma visão de Jesus Cristo cercado por seus anjos, e nesta visão o Senhor lhe disse que sua vitória estava garantida.  E, de fato, as tropas de Afonso Henriques derrotaram os mouros, e esta vitória foi fundamental para o processo de independência de Portugal. Dizem que as tropas vitoriosas aclamaram Afonso Henriques como "rei dos Portucalenses" por conta desta vitória. De qualquer maneira, foi a partir desta época que ele passou a se intitular rei. Ele foi formalmente reconhecido como rei alguns anos depois (em 1143) pelo rei de Leão e Castela, através do Tratado de Zamora, e finalmente, pela Santa Sé em 1179.


O Cerco de Lisboa

O rei Afonso Henriques buscou ampliar seus domínios através das conquistas militares. O domínio do vale do Tejo (local bastante amplo e fértil) daria autossuficiência a seu reino, o que daria mais força para seu processo de independência. Para isto, era necessário reconquistar estas terras, as quais estavam sob o domínio mouro. Todos estes movimentos militares estão no contexto da Reconquista da Península Ibérica, a qual estava quase completamente tomada pelos mouros (que a rebatizaram de Al-Andalus).

Assim, no ano de 1147, Afonso Henriques inicia uma campanha que culminaria com a retomada de Lisboa das mãos dos mouros.

O primeiro passo foi a conquista de Santarém, uma cidade moura fortificada. Primeiro, enviou um emissário para estudar a cidade. Então, certa noite, protegidos pela escuridão, cerca de 45 cavaleiros escalaram os muros da cidade, mataram as sentinelas, e abriram os portões, para que o grosso das tropas portuguesas adentrassem, aproveitando-se do elemento surpresa. No dia seguinte, Santarém já estava conquistada.

Após a perda de Santarém, os mouros se agruparam para proteger Lisboa, a qual era sua principal cidade na região do Tejo. Dizem os historiadores que uma força de 5.000 mouros se reuniram na região, e as forças de Afonso Henriques eram de cerca de 1.500 homens. O embate entre as tropas ocorreu às margens do rio Sacavém, em uma antiga ponte romana. As tropas portuguesas sofreram muitas baixas, mas conseguiram matar cerca de 3.000 mouros, derrotando-os. Há relatos que as tropas portuguesas teriam sido auxiliadas por um contingente de Cruzados que estava na região. De qualquer forma, esta vitória foi considerada um verdadeiro milagre atribuído à Virgem Maria. Dizem que o próprio comandante do contingente mouro, o alcaide Bezai Zaíde, teria se convertido ao cristianismo por conta desta vitória. (Até hoje persistem dúvidas se esta batalha realmente ocorreu, sendo considerada lendária por alguns historiadores. Mas é fato que ela permeia o imaginário português e contribuiu para o fortalecimento do sentimento de nação).

Seguiu então para tentar conquistar Lisboa.

Em junho de 1147, sabendo do desembarque de uma grande tropa de Cruzados na cidade do Porto (oriundos da Inglaterra, País de Gales, Normandia, Flandres, França e Renânia), Afonso Henriques os convenceu a auxiliar as tropas portuguesas. As forças combinadas cercaram a cidade de Lisboa por 5 meses, de junho a outubro.

Finalmente, após a derrubada de um trecho da muralha e a aproximação de uma torre de cerco construída pelas tropas sitiantes, os mouros de Lisboa renderam-se, abatidos pela fome e por doenças, entregando todos os seus pertences de valor às tropas conjuntas de Afonso Henriques e dos cruzados, e retiraram-se da cidade. 

Com isso, Lisboa foi conquistada pelos portugueses e, muitos anos depois, em 1255, tornar-se-ia a capital de Portugal.


Conforme registrado na Crônica dos Godos:

Afonso Henriques lidera as tropas ibéricas no cerco de Lisboa
"O mesmo rei de Portugal D. Afonso, no décimo nono ano de seu reinado, revestido de audácia e valor, atacou corajosamente, com alguns poucos dos seus, o castelo de Santarém, confiado no auxílio divino e recuperou-o para si e para a Cristandade, tendo matado e expulsado dali os Sarracenos que nele habitavam. Por vontade de Deus se deu este acontecimento a 11 de Maio, ao cantar do galo, ao amanhecer de um sábado. 
E no mesmo ano, no mês de Julho cercou Lisboa. 

Em seu auxílio, e por obra da bondade divina que do alto céu a tudo provê, veio súbita e inesperadamente das partes das Gálias, e conduzido por mão divina, um grande número de navios.
Grandemente confiado neste auxílio, cercou a cidade durante cinco meses, atacando-a e assaltando-a valentemente por terra e por mar, não permitindo que ninguém saísse ou entrasse. Finalmente, porém, a 24 de Outubro, numa sexta-feira, ao meio-dia, tomou a cidade na sua mão forte e extenso braço com o auxílio da piedade divina e ajuda do Senhor Jesus Cristo, tendo sido expulsos dali os Sarracenos.

E em épocas e anos diferentes tomou os fortíssimos castelos de Sintra, Almada e Palmela, e com os seus guerreiros conquistou-os para si e para a Cristandade."