sexta-feira, 27 de maio de 2022

Se você quiser salvar a cultura nacional, então pare de tentar salvar a cultura nacional!

Nobilíssimos aventureiros, taverneiros e NPCs, hoje o bardo lhes traz um assunto um pouco mais sério.

Escrevo este post inspirado por um vídeo que vi já faz alguns anos (acho que por volta de 2016) em que o cara argumenta justamente isso: para salvar a cultura nacional, devemos parar de tentar salvá-la. 

Infelizmente não encontrei o vídeo, senão eu deixaria o link aqui. Ou foi deletado ou já está enterrado nos confins do youtube.

Lembro-me que o autor do vídeo usou os seguintes argumentos, ambos excelentes, em minha humilde opinião:

 - O Mickey Mouse não tem nada a ver com o folclore dos EUA, e nem com o folclore dos antepassados britânicos dos americanos, e hoje é um símbolo da cultura norte-americana;

e

- Já cansaram de fazer "jogo do saci", e isso nunca faz muito sucesso, porque geralmente um  "jogo do saci" é forçado. 

(E especialmente este último argumento é o que eu mais percebo na minha experiência. Acho que todo mundo que já estudou em escola pública no Brasil já passou por algo parecido, conforme veremos a seguir)

Eu vou além: o que Mário, Pokémon e Digimon têm a ver com o folclore japonês? Muito provavelmente nada. Talvez haja um tiquinho de folclore nipônico influenciando o design de algum Digimon ou pokémon, ou talvez alguns dos monstros que o Mario enfrenta sejam inspirados em lendas daquele país, mas não passa muito disso. 

O importante é que estas criações acabaram se tornando símbolos da cultura japonesa, assim como o Mickey Mouse e o Pato Donald se tornaram símbolos da norte-americana.

Aqui nós temos, infelizmente, uma mentalidade de vira-lata. Este assunto já foi exaustivamente discutido em diversos livros, sites, fóruns, etc. 

Portanto não vou me aprofundar nos aspectos amplos deste assunto. 

Vou focar somente no modo como isso afeta a nossa criatividade:  Essa mentalidade autodepreciativa acaba atuando de uma maneira meio paradoxal nas questões relativas à criatividade: 

1) Há alguns que se sentem mal, ainda que a um nível subconsciente, por nossa cultura não ser a "mais valorizada", ou não ter um local de destaque "no mundo".

2) Isso cria um certo ressentimento, principalmente em pessoas de mentalidade mais fraca, contra culturas que são mais "bem sucedidas" (geralmente o critério de "mais bem sucedido" é quase que exclusivamente o desempenho comercial, por mais incompleto  e imbecil que isso seja, afinal é óbvio que sucesso comercial não é sinônimo de qualidade.... a prova disso são os músicos que fazem sucesso hoje em dia, as nossas celebridades midiáticas, etc.).

3) O ressentimento faz com que tentemos nos apegar aos símbolos de nossa cultura que mais conhecemos, aqueles símbolos que nos ensinaram que representam a nossa cultura (no Brasil o símbolo mais famoso, no caso do folclore, deve ser o saci-pererê). É como se nos preocupássemos demais com os símbolos que em nossas mentes representam a nossa cultura.

4) Esse apego acaba servindo como barreira à criatividade, pois ao invés de tentar criar algo totalmente novo, ficamos presos ao nosso "apego", o que serve como âncora e que dificulta que saiamos do lugar. Um exemplo hipotético, para ilustrar o que quero dizer: digamos que alguém tentasse criar um desenho animado no Brasil. Provavelmente essa pessoa receberia conselhos e consultorias do tipo "você deveria criar um desenho animado do saci-pererê para valorizar a cultura nacional", e isto provavelmente iria tolher a criatividade do animador. (Não que necessariamente alguém fosse chegar e falar isto diretamente para o animador hipotético, nem que alguém fosse literalmente obrigá-lo a fazer um desenho baseado no saci... mas ele provavelmente se sentiria "na obrigação" de fazer isso, por influência do que aprendeu na escola... Quem nunca teve aquela professora de artes ou de língua portuguesa que vivia passando inúmeros trabalhinhos baseados no folclore nacional?). 

Será que os programadores da Nintendo que criaram o Mário ficaram pensando que "puxa, eu tenho que fazer um jogo em que o monstro é um kappa e o herói é um samurai, senão não estarei valorizando minha cultura..."?? Claro que não! Eles tiveram muita liberdade criativa e fizeram um jogo de um encanador italiano que entra em canos, come cogumelos e luta contra um exército de tartarugas lideradas por um dragão-dinossauro para salvar uma princesa. Há elementos de várias mitologias ao mesmo tempo, e ainda há coisas novas. Há até alguns elementos de folclore japonês também (só me lembro agora da roupa de tanuki no Super Mario 3), mas esse não é o foco dos jogos do Mário. O foco é ser divertido e jogável.

Pois é a própria mentalidade de vira-lata que cria esta falsa necessidade que "força" alguns produtores de jogos a criarem jogos baseados no  nosso folclore só porque sim. Eles não são totalmente livres para criar coisas novas. Eles geralmente programam um "jogo do saci" não para ser um jogo legal e divertido, mas para "valorizar a lenda do saci e o folclore brasileiro". O resultado disso costuma ser enfadonho e forçado. 

Esta questão da cultura nacional tem um outro lado também, que enxergo como culpa do nosso sistema de educação: a nossa história tende a ser ensinada de uma maneira muito chata, como se os professores e autores dos livros didáticos dissessem nas entrelinhas que "ah, o Brasil é um porre mesmo, nunca fizemos nada de bom e nem nunca vamos fazer, a nossa história não tem graça". Esse jeito de pensar na nossa história acaba respingando no ensino de literatura e artes nas escolas: o nosso folclore também é ensinado de uma maneira que faz ele ser chato. Geralmente as crianças aprendem sobre o nosso folclore como se estivessem vendo roupas velhas sendo exibidas em um museu de quinta categoria (eu literalmente tinha passeios na minha escola para um museu assim...), e não lendo livros de literatura fantástica, que é o que atiçaria a imaginação e criaria realmente gosto e despertaria a criatividade.

Acho que tudo isso precisa mudar. Não tenho a resposta certa, nem a "fórmula mágica infalível". 

Só sei que o jeito como está, está errado.

(PS: eu não tenho nada contra o saci-pererê. Apenas usei-o como metonímia porque o autor do vídeo que inspirou este artigo também o usou assim, e porque acho que ele é, como eu escrevi, a criatura mais conhecida das lendas nacionais e a mais representativa do nosso folclore)

9 comentários:

  1. Gronark, O Senhor do Sofrimento28 de maio de 2022 às 08:56

    A cultura nacional e regionais já estão praticamente mortas, bardeco! Pode ver que meus cultistas nos ramos das artes, mídia e educação fizeram uma verdadeira higienização para criar uma "cultura padrão" completamente torpe para substituir as culturas e costumes locais e nacionais. Uma cultura torpe e artificial que promove o cientifismo, o egoismo e o materialismo. Além disso há também o cancelamento de todos aqueles que tentam pensar diferente. Graças a isso eu corrompi e consumi as almas de muitos jovens inocentes e adultos de pensamento fraco, HAHAHAHAHAHAHAHA

    Não adianta mais resistir! RPGs, jogos, quadrinhos, filmes e qualquer mídia que antes trazia valores e esperança foram corrompidos até dizer chega! Não haverá amanha para aqueles que se opõe aos poderes ruinosos do CHAOS! HAHAHAHAHAHAHA

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    1. Vanglorie-se de suas vitórias, Gronark, mais saiba que a escuridão que você e seus zumbis progressistas espalharam será inevitavelmente dissipada. Meu pesar é que até isso acontecer, muitas pessoas ainda irão se perder. Já houve momentos na história desta tiste coisa chamada humanidade em que esse progressismo individualista, materialista e cientificista prposperou, mas apenas para ser massacrado brutalmente pela mão da realidade e das consequências geradas por toda essa loucura. Isso ocorreu no início do século XX, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, depois um pouco antes da Segunda e está acontecendo agora novamente. Essa loucura que estamos vivendo hoje não irá perdurar, escreva minhas palavras.

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    2. Realmente estão tentando impor uma cultura "pasteurizada" (com todo o respeito ao ilustre dr. Pasteur) e "higienizada" para padronizar o pensamento das pessoas e torná-las mais fáceis de serem controladas... Mas os agentes dos caos hão de cair! O diabo já nasceu derrotado! No fim, Deus sempre vence!

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  2. Concordo plenamente. O primeiro passo para "salvar" a cultura nacional é parar de tentar empurrá-la a todo custo para as pessoas. E isso remente também a um dos maiores problemas da nossa época que é o fato de querer sempre forçar alguma panfletagem sobre jogos, livros, revistas, artigos sem qualquer preocupação com a qualidade do produto em si. O que importa para essas pessoas de ego fragilizado é tentar chamar a atenção pela "crítica social" (que na verdade, de crítica não tem nada, por ser muito vazio e superficial), até porque carecem da competência para se fazer algo realmente bom. E quando tudo falha, o que fazem é pegar algo bem feito e profanar aquilo transformando o produto em um mero veículo de panfletagem. No momento, este é o nosso mundo...

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    1. A panfletagem forçada está mesmo estragando o hobby e também diversas outras coisas. A produção literária de pelo menos dos últimos 20 anos mostra como que se tem sacrificado a qualidade em detrimento de parecer "legal", "bonzinho", "ecológico", entre diversas outras palavras vazias...
      E sim, nunca é legal empurrar a cultura nacional goela abaixo. Um exemplo tragicômico é o "dia do saci", que foi criado na base da canetada em algumas cidades para concorrer com o halloween. Tendo isso criado "na marra", ao invés de ser uma manifestação espontânea das pessoas comuns, não vai vingar (não que eu ache que comemorar o halloween no Brasil seja algo normal e espontâneo...)

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    2. "não que eu ache que comemorar o halloween no Brasil seja algo normal e espontâneo..."

      E qual é o monstruoso problema de se comemorar o Halloween no Brasziu ou em qualquer outro lugar ?
      Os comunistas que estiveram no poder e a classe "artística" pra lá de cafona que os apoiavam é que vieram com esse papo de "Halloween é o cacete, viva a cultura nacional".
      Cultura nacional é o cacete, respondo eu pra qualquer fdp que vier com essa doutrina na minha direção. Acha que vou apoiar vagabundos e vagabundas promovidos pela mídia criminosa e aclamados pela escumalha estúpida e retardada ?
      Os comunistas tentaram até banir a possibilidade do registro de nomes estrangeiros no território nacional, de modos que ninguém mais poderia ser batizado como "Peter", "Mary" ou "Thor".
      Teus filhos teriam que se chamar cretinamente de "João", "Manoela", "Josefina"...inventariam com certeza um bônus extra no bolsa-família caso o infeliz tivesse como nome "Lênine", "Estalino" ou "Fidélio".

      Seguindo a lógica distorcida desses anormais, além do Halloween, deveria ser banido também a comemoração de outras coisas típicas do colonialismo opressor, como o Natal.
      Assim, restaria pra galera deslumbrada apenas a genuína expressão da cultura nacional - como a bunda fétida da Anitta e as rimas desnutridas de algum analfabeto bombado que ficou rico depois de iniciar a carreira "cantano" seus pago-funk-sertanojo+xyz nos bailes promovidos pelo tráfico.
      Yes, nós temos Brizola !

      Pqp !!!

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    3. Se o Halloween for comemorado no Brasil por iniciativa livre e espontânea das pessoas comuns, tudo bem. Ninguém deveria ser obrigado e nem impedido de comemorar o Halloween.
      Ridículas estas manobras dos comunistas, e é uma pena que o meio artístico, literário (e também do RPG) esteja infestado por esta ideologia assassina e anti-humana que é o comunismo...

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  3. Ao diabo com todas as imposições !

    O maior problema neste país foi a pretensão desesperada de se ter logo alguns nomes prontamente consolidados para as diferentes expressões culturais. Nesse afã desmesurado, muitos "expoentes" acabaram sendo precipitadamente criados - e impostos - como "luminares" em seus respectivos ramos de atuação - algo que, quando analisado com um mínimo de isenção, se mostra totalmente absurdo, quando não ridículo, patético e cômico.

    O Brasziu sempre precisa criar seus "reis" e "rainhas", nem que seja um rei do baião (existe baião em outro lugar do mundo ?) ou uma rainha do bum-bum. Francamente !

    Chega dessa palhaçada ! Parem de se iludir ! Os grandes nomes que poderiam ser dignamente apresentados como os maiores expoentes da literatura e da poesia nacional (somente para mencionar esses dois exemplos), sequer nasceram ainda - se é que algum dia nascerão por aqui !!!
    Como grandes nomes da cultura nacional, reconhecidos indiscutivelmente no mundo, só existem dois : Villa Lobos, como compositor de música clássica, e Nelson Freire, como virtuoso pianista que foi. O restante, não passam de mera encheção de linguiça a fim de satisfazer os anseios de uma "identidade nacional".
    Identidade nacional de qual nível, se muito daquilo que nos é histericamente imposto goela abaixo como autêntica expressão da cultura nacional (futebol carnaval, novela, etc) não encontram unanimidade e nem reconhecimento como tais ?
    Identidade nacional como, num país tão racialmente heterogêneo ?
    Você enxerga no teu vizinho um irmão igualzinho a você ? Se sim, parabéns pra você, perfeito resultado da doutrinação e da lavagem cerebral em vigor !!!

    A verdadeira cultura nacional - se é que isso existe no Brasziu - estaria representada por aquilo que foi dizimado da cultura indígena. Tudo o mais que rola por aqui - de churrascada com cerveja e feijoada, passando por serestas e chorinho até culminar apoteoticamente em bundas rebolando sob a poluição sonora do funk mais pé-de-chinelo que legiões de dementes são capazes de conceber (e escutar), não passa de criações alienígenas - dispensáveis e, na maioria das vezes, dignas de ânsia de vômito. Os tais pagodes que o digam.

    Bleaaaaaargh !!!

    Aí, vem um cara e diz : " Mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo..."
    Rima alhos com bugalhos e é aclamado o maior poeta do Brasziu.

    Tnc !

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    1. É, nada que é imposto em termos de cultura e arte e estética é bom. Pra mim um grande exemplo disso é o "dia do Saci" - não que ele tenha sido imposto ao povo, mas o problema é que não foi criado pelo povo, é uma data artificial, sem vida, criada para combater uma influência cultural que tem vida e é legítima (o Halloween). O que você falou sobre criar expoentes precipitadamente é uma das facetas da nossa síndrome de vira-lata... No fundo essa necessidade de criar expoentes é uma busca por aprovação externa. Se não tivéssemos essa necessidade, talvez deixássemos as coisas surgirem mais naturalmente aqui.

      E 99% das coisas "nacionais" que fazem sucesso no Brasil são na verdade artificiais (no sentido que não são oriundas do povo comum, de tradições regionais, etc.) e desconfio que sirvam para manter o povo no status quo de ignorância e atraso, pois não interessa para as nações ditas de primeiro mundo que o Brasil se desenvolva e se torne uma potência.

      Pra mim a verdadeira cultura nacional é um amálgama de algumas das tradições portuguesas, espanholas, italianas, alemãs, indígenas e de algumas partes do continente africano. Por exemplo, as festas juninas (que são para mim uma das melhores coisas da cultura nacional) são, de certa forma, uma mistura de elementos de todas estas culturas que eu mencionei.

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