domingo, 22 de maio de 2022

Resenha - Aventura antiga para Ravenloft - "Thoughts of Darkness"

 


Saudações, aventureiros e mestres! 

Faz bastante tempo que não escrevo nada sobre Ravenloft aqui no blog, então resolvi fazer uma breve resenha sobre esta aventura, cujo livro li recentemente (por pura curiosidade), mas nunca joguei.

Uma aventura bastante difícil, para no mínimo 4 personagens de níveis 12 a 15 (AD&D 2e).

Passada no domínio de Bluetspur, de Ravenloft, provavelmente o domínio favorito de ninguém, esta é uma aventura que eu não teria coragem de mestrar para jogadores, dada a enorme frustração que ela provavelmente trará. Por outro lado, pode ser que se torne um desafio interessante, conforme veremos a seguir.


Primeiro, falemos sobre este Domínio onde se passa a história:


antes da grande conjunção , Bluetspur fazia parte do núcleo do semiplano de Ravenloft


 


Bluetspur é uma verdadeira terra de pesadelos, totalmente desolada e estéril, onde praticamente nada consegue viver. Ela lembra um pouco aquele mundo distorcido da cena do eclipse, do mangá Berserk, e ao mesmo tempo tem um toque de mundo alienígena (provavelmente inspirada em Marte). A terra é árida e rochosa, e não há distinção quase nenhuma entre dia e noite: durante o dia o céu é escuro, porém com um "halo" rosado no horizonte, como um eterno nascer ou pôr do sol em 360°. À noite, o halo rosado desaparece e uma tempestade de relâmpagos assola aquela terra maldita. Toda "noite" é marcada por tempestades incessantes de relâmpagos.

A única coisa que realmente vive em Bluetspur é uma colônia de ilithids (mais conhecidos como devoradores de mentes ou "mind flayers"), a qual mantém um imenso "rebanho" de escravos humanos para fazer os trabalhos pesados e servir de alimento, além de alguns escravos drows e duergars para servirem de guardas. Os ilithids , assim como praticamente qualquer raça alienígena retratada em livros de fantasia e ficção científica, conduzem horríveis experimentos biológicos em seus escravos, transformando -os em deformadas criaturas animalescas e/ou utilizando seus corpos como hospedeiros para as larvas de sua terrível espécie. 

Os Ilithids mantém todos os escravos sob um constante controle hipnótico, e obedecem somente à autoridade de seu "deus-cérebro", que vive nos subterrâneos do domínio (um "deus-cérebro" é o estágio final da vida de um ilithid, mas óbvio que nem todos alcançam esse estágio... a maioria é absorvida por algum "deus-cérebro" já existente e perde completamente sua individualidade, enquanto que seus conhecimentos e habilidades psiônicas são absorvidos pela grande biomassa do "deus-cérebro", incrementando os poderes já vastos da criatura)


Agora falando sobre a aventura "Thoughts of Darkness" em si (Se não quiser spoilers, não leia! Você foi avisado!):

- Como me parece ser tradição das aventuras antigas de Ravenloft, ela começa com uma cena que não tem nada a ver com o restante da história,  mas que está lá só para mostrar como vai ser o clima do jogo. No caso de Thoughts of Darkness, trata-se de uma cena onde há uma sequência de luta dos PJ enfrentando um adversário  em seus pesadelos. Provavelmente eu pularia essa cena se mestrasse essa aventura. Não faz muita diferença para a história.

- Desde que os PJ chegam a Bluetspur, eles ficam ouvindo um zumbido constante e quase enlouquecedor (e que o livro pede a todo momento que o mestre relembre aos jogadores) - trata-se da influência psíquica do deus-cérebro, que cobre todo o domínio e vai aos poucos causando loucura e submetendo a vontade de todo ser inteligente que pisa em Bluetspur. 

- Por causa dessa influência psíquica do deus-cérebro, nenhum PJ consegue recuperar pontos de vida enquanto descansa. O deus-cérebro os atormenta desde o primeiro instante provocando ilusões e pesadelos, e alguns destes chegam a ter efeitos reais nos corpos dos personagens!

- Se os PJ não trouxeram provisões com eles, certamente vão passar fome durante o tempo em que permanecerem em Bluetspur, pois não há animais e nem plantas por aqui... (exceto os ilithids, os escravos e os fungos que são cultivados para alimentar os escravos)

- O ambiente hostil fica ainda pior à noite, por conta das tempestades elétricas. Os PJ desabrigados à noite devem testar a cada turno para ver se foram atingidos por raios e tomar muito dano. Acho que mesmo com o alto nível exigido para os PJ neste cenário (12 a 15), acho plausível que ao menos 1 personagem do grupo morreria numa destas tempestades, caso desse muito azar nas jogadas...

-Há uma colônia de escravos fugitivos, vítimas dos cruéis experimentos que deformaram permanentemente seus corpos (autointitulados "shattered brethren" >> algo como "irmandade dos estilhaçados" ou "irmãos estilhaçados") que vive escondida aguardando uma chance de se vingar de seus antigos mestres. As ilustrações de alguns deles me faz lembrar dos "apóstolos" do mangá Berserk... principalmente o homem-besouro que serve de ilustração para representá-los no fim do livro:



- Por conta do alto nível exigido dos PJ para esta aventura, os encontros são sempre contra muitos monstros, e monstros poderosos: é normal haver encontros com grupos grandes de drows, anões duergars, aranhas gigantes, pesadelos, gigantes de pedra, e, obviamente, ilithids, com todos os ataques e defesas especiais que estes monstros possuem. Imagino que as batalhas nessa aventura durem sessões inteiras, pois quase todos os inimigos encontrados conseguem lançar magias. Não há nenhum monstro fraco nesse livro!

- A chance de a aventura dar errado é muito alta, pois é necessário interagir com NPCs que foram transformados em monstros pelos ilithids, então jogadores mais empolgadinhos poderiam matar NPCs importantes, julgando-os pela aparência monstruosa. A personagem-chave desse cenário, Annitella, anteriormente uma bela humana ladina, foi desfigurada por seus captores de tal forma que ela ficou realmente parecida com um mind flayer (tentáculos no rosto, etc.), e os jogadores a encontram logo no começo da história, levando uma surra dos guardas drows e duergars e do NPC mais PNC (entendeu, entendeu?) dessa história, Bonespur, o mercador de escravos. A única pista que se tem, a princípio, de que se trata de uma criatura boa e que deve ser ajudada pelos jogadores, é o fato dela estar apanhando de um bando de vilões óbvios. 

- Orientados por Annitella, os jogadores devem infiltrar-se no covil dos Ilithids e recuperar um artefato mágico poderoso que está sendo cobiçado pelo grão-mestre ilithid (o segundo no comando, logo abaixo do deus-cérebro), o qual deseja apossar-se do artefato para conseguir transformar-se em um vampiro-ilithid para drenar os poderes do deus-cérebro e com isso ocupar seu lugar no topo daquela distorcida sociedade. 


- O grão-mestre está sendo ajudado pela vampira Lyssa von Zarovich (a sobrinha-neta do famoso Conde Strahd von Zarovich, que deseja fazer uma aliança com os ilithids para invadir Baróvia com um exército e com isso tomar o lugar do Conde como governante daquele domínio). 

A bela e mortal Lyssa von Zarovich.... Provavelmente foi posta nesta aventura só para fazer referência ao Conde Strahd e para dar o único toque de terror gótico ao livro...


- O artefato mágico é um bastão de cristal chamado "Bastão de Houtras", o qual funciona como uma chave para acionar uma máquina mística chamada de "O Aparato", o qual servirá para transferir a mente do grão-mestre ilithid para o corpo de uma larva ilithid vampírica (ilithids não podem ser transformados em vampiros pela maneira...digamos... convencional, então esse complicado  processo é necessário para dar poderes vampíricos para o grão-mestre)... As larvas vampíricas, por sua vez, são criadas transformando em vampiro o hospedeiro humano de larvas ilithid "convencionais". Alimentando-se da essência da mente de um vampiro, tais larvas acabam transformando-se em vampiros-ilithids. Porém, tais aberrações são essencialmente caóticas e insanas, sendo incontroláveis até mesmo para os ilithids adultos (não fica claro se o deus-cérebro conseguiria controlá-los) - os PJ chegam a enfrentar alguns grupos desses híbridos no começo da aventura.

Ilithid vampiro


- O tempo todo o deus-cérebro está ciente das intenções do grão-mestre, por mais que este tente mantê-las ocultas em sua mente.  Na verdade, o deus-cérebro está se divertindo, conduzindo os aventureiros para enfrentar o grão-mestre.

- No clímax da aventura, o grupo chega até o covil do cérebro-deus,  mas a criatura é desproporcionalmente poderosa e controla facilmente a mente de qualquer um que tente enfrentá-lo. Imagino que alguns PJ morram nessa batalha, por conta do inimigo excessivamente poderoso. Acontece então um sacrifício heróico (esse spoiler eu não vou dar) e os PJ se vêem de volta à superfície de Bluetspur, de onde poderão escapar, finalmente. 


Comentários do Bardo:

- Em minha pesquisa para escrever este post, me deparei com algumas pessoas (inclusive um youtuber do tipo "zé-barbinha") classificando esta aventura como sendo "horror cósmico". 

Simplesmente incorreto. 

Provavelmente classificaram assim só porque a aparência dos ilithids é inspirada no Cthulhu (cabeça de polvo, poderes telepáticos, etc), então os incautos associam "se tem Cthulhu então é horror cósmico". Para ser um horror cósmico, a aventura deveria girar em torno do fato dos personagens estarem diante de algo incompreensível para eles, algo totalmente fora da realidade, e o simples fato de testemunharem isto os deixa completamente insanos e incapazes de agir. AD&D não combina com horror cósmico porque os personagens sempre são heróis que podem fazer algo a respeito de praticamente qualquer situação. 

Esta aventura tem elementos de high fantasy, ficção científica e uma pitada de "body horror" (mas bem leve, nada que se compare ao que vemos em filmes trash como The Thing ou The Void). 

Por mais que o próprio Cthulhu e suas crias estelares constem de pelo menos uma das versões do manual de monstros de D&D, mesmo que o próprio apareça em uma aventura, ela provavelmente não seria horror cósmico, a não ser que a mesma girasse em torno do fato dos PJ serem incapazes de fazer qualquer coisa contra o monstro e completamente impotentes de pararem a trama que está lenta e inexoravelmente em curso para levar a humanidade a um fim catastrófico.

- Esta aventura funcionaria melhor trocando o começo dela para algo do tipo "os PJ encontram um artefato maligno que abre um portal para outra dimensão, o que os leva à terra desolada de Bluetspur", ao invés de "os PJ simplesmente acordam em Bluetspur". No site da Fraternity of Shadows, o cara que fez o review desta aventura descreveu ter feito algo assim quando mestrou este livro.

- A aventura em si não tem nada de terror gótico, o que a torna meio que um peixe fora d'água em Ravenloft (aliás, poucas são as aventuras oficiais de Ravenloft que são realmente de terror gótico). Acho que os autores simplesmente quiseram usar os mind flayers em um produto do cenário só porque sim e aí escreveram esta aventura bizarra. Está mais para ficção científica. Notem que ela funcionaria em cenários de RPG mais futuristas, apenas com algumas adaptações.

- A própria terra onde se passa a história é tão desolada que não dá muito espaço para que outras aventuras sejam escritas tendo Bluetspur como pano de fundo. Acho que para ficar legal, só fazendo uma história que se passa no passado, antes da terra ficar daquele jeito... talvez Bluetspur tenha sido um reino humano/élfico/anão normal como outro qualquer, até que os ilithids invadiram, derrotaram as forças daqueles reino e desolaram a terra. Acho que isto seria uma backstory bem interessante.


Por enquanto é isso, confraria.

Algum dos meus 7 leitores já jogou esta aventura?

Forte abraço!

Que as brumas não os alcancem!

5 comentários:

  1. Nada como relembrar os bons e velhos tempos em que os jogadores precisavam andar com cautela e trabalhar juntos de forma eficiente para meramente sobreviver...

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    1. Valeu pelo comentário, Odin! Essa aventura é bastante difícil, com os PJ tomando dano em quase todo turno. Só acho que seria chato sortear iniciativa e fazer todas as jogadas de ataque e magias em batalhas envolvendo 4 PJs e 15 monstros ao mesmo tempo... provavelmente eu trataria alguns monstros como se fossem grupos, para não burocratizar demais o jogo.

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    2. Sim, é uma boa forma de contornar o problema da quantidade de monstros. Quanto à dificuldade, em se tratando de Ravenloft, na minha opinião é parte da diversão.

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  2. Gronark, O Senhor do Sofrimento25 de maio de 2022 às 10:04

    É inútil relembrar o passado, bardeco! Ravenloft já foi higienizado pelos meus cultistas na Wizard e agora é um cenário sem caracterização ou personalidade. Tudo aquilo que um dia foi clássico, heroico e que tinha valores transcendentais agora é taxado das piores ofensas e reescrito para se adequar as "sensibilidades modernas".

    Aguardo ansiosamente a profanação que será feita com Spelljammer e Dragonlance. Cenários clássicos que serão sacrificados no altar do modernismo, das sensibilidades e do CHAOS! HAHAHAHAHAHAHAHA

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    1. Ora, ora, se não é gronark, o senhor do sofrimento, dando as caras em meu humilde reduto!
      Saiba, mensageiro das trevas, que o mal está fadado ao fracasso, e é justamente por isso que seus servos se entregam tão desesperadamente às suas vis atribuições.
      O bem vencerá! Os vícios desta nossa bizarra era moderna eventualmente desaparecerão, e um novo mundo surgirá, um mundo heróico e virtuoso!

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