domingo, 17 de julho de 2022

Resenha : "Feast of Goblyns" - a primeira aventura de Ravenloft

 


Saudações aventureiros e mestres! (e um alô para os NPC também, espero que um dia consigam sair do condicionamento e despertem para a realidade!)


Após algumas semanas afastado (por conta do trabalho na vida real), volto com mais uma resenha de uma aventura de AD&D!


Feast of Goblyns foi a primeira aventura escrita para Ravenloft, há mais de 30 anos, em 1990.

Uma aventura bem grande, ao menos para os padrões da época, com mais de 90 páginas, para jogadores do 4º ao 7º nível (mas eu consegui jogá-la - ao menos parte dela - com PJs do nível 3 - afinal, a 5ª edição de D&D transformou os PJ em campeões de LOL ao invés de personagens de RPG, mas enfim, é o que temos hoje)

Nota-se que, sendo a primeira aventura, os autores ainda não haviam se acostumado com o "tom" do cenário. 

Esta aventura não é exatamente gótica. 

Ela possui alguns elementos góticos, digamos,  mais superficiais, como vampiros e lobisomens, um castelo mal-assombrado, etc. 

Ela tenta dar um tom gótico através da trama que envolve uma intriga política, traição, uma tentativa de golpe de estado, mas ainda pesa muito para o lado "Dungeon Crawl" (tem 2 ou 3 dungeons nesta aventura, fora a parte urbana em pelo menos 2 cidades)

Se vocês pesquisarem sobre esta aventura em fóruns de D&D internet afora, verão que todo mundo que a mestrou precisou fazer alterações no roteiro para que ela fizesse sentido. Eu também precisei fazer algumas alterações quando mestrei Feast of Goblyns, conforme veremos abaixo.

Quem não quiser spoilers, pare de ler o texto agora!

##SPOILERS##

Os heróis estão no domínio de Kartakass, uma terra inspirada na nossa Alemanha, mas com um tom meio "conto de fadas", onde os bardos e a música têm muita importância (cada cidade é governada por um "Meistersinger", um bardo de grande talento e guardião das tradições da cidade).

Uma noite, veem uma mulher sendo atacada por um agressor misterioso (na verdade ela é Akriel Lukas, filha do dark lord do domínio, Harkon Lukas, um terrível wolfwere que se infiltrou na sociedade humana - o agressor é o próprio Harkon Lukas, punindo sua filha). 

Quando os PJ tentam ajudá-la, o agressor desaparece misteriosamente, deixando somente seus dois lobos de estimação para enfrentá-los. Após o conflito, a "donzela em perigo" diz que o agressor era um homem terrível contratado por seu pai para forçá-la a aceitar um casamento arranjado, e que ela na verdade ama um homem chamado Heinrich Dominiani, um bondoso médico que mora no país vizinho e inimigo, Gundarak. Ela pede então para que os heróis a encontrem na Velha Taverna Kartakense, a principal taverna daquele reino, onde ela explicará mais detalhes de como eles podem ajudá-la a se reunir com seu verdadeiro amor e escapar do casamento arranjado por seu pai.

Na taverna (a qual durante o dia é um restaurante chique e familiar e à noite é um antro de bandidos locais, muitos deles na verdade wolfweres), Akriel conta aos PJ o seu plano: eles devem resgatar a lendária "Coroa dos Soldados", um artefato mágico que pertencia à sua família e que há muito se perdeu, entregá-lo ao bondoso Dr. Dominiani, para que ele ofereça a coroa como dote, para que o pai de Akriel o aceite como genro. Akriel diz ter tido um sonho profético, com uma visão que revelou aonde está a coroa perdida, e dá aos jogadores uma localização aproximada do paradeiro do misterioso objeto.

Porém, o que os PJ não sabem é que Akriel na verdade está conspirando com o Dr. Dominiani (um vampiro servo do Duque Gundar, o dark lord de Gundarak) para destruir Harkon e tomar o poder em Kartakass. Além disso, o artefato na verdade se chama "Coroa das Almas" e é bastante perigoso: ela contém a alma aprisionada de Daglan, um antigo necromante, e quem a usar será lentamente possuído por Daglan. Mas creio que nem Akriel e nem o Dr. Dominiani soubessem disso. Na verdade, eles querem a coroa por conta de seu poder mágico: quem a usa consegue transformar pessoas em "Goblyns" (uma versão ainda mais cruel, feroz e sanguinária dos tradicionais goblins). 

O Dr. Dominiani é dono de um asilo onde ele supostamente trata pacientes doentes mentais - na verdade ele é um "vampiro cerebral", um tipo especial de vampiro que se alimenta dos fluidos espinhais e cerebrais dos pobres pacientes, que são na verdade prisioneiros em seu castelo. Seu plano era usar a Coroa das Almas para transformar os pacientes do asilo em um exército de Goblyns para invadir e conquistar Kartakass.

Mas por quê Akriel precisa dos PJ para fazer o trabalho sujo de pegar a coroa? Por dois motivos: 

Primeiro, a coroa está fora de Kartakass, e um dos poderes de Dark Lord que Harkon Lukas possui é fechar as fronteiras de seu reino com um feitiço que faz quem tentar atravessá-las cair em sono profundo. Como ele vigia de perto sua filha (pois desconfia dela), Akriel nunca consegue sair do domínio.

Segundo, a coroa está numa caverna pertencente à bruxa Radaga, uma clériga maligna e bastante poderosa, e a entrada de sua caverna é especialmente protegida contra wolfweres e licantropos em geral (Radaga sabe os vizinhos que tem). 

Depois de recuperar a coroa das mãos da bruxa (em um dungeon crawl pela caverna de Radaga), os PCs vão até Gundarak levá-la ao "bondoso" Dr. Dominiani, em seu castelo. Lá eles são recebidos como hóspedes e passam a noite. Nesta parte, começa outro dungeon crawl pelo castelo do terrível vampiro.

Eventualmente, os PJ conseguem sair do castelo, e a esta altura provavelmente já foi disparado o plano maligno de Daglan, o Necromante. Daglan era um necromante que viveu séculos antes da aventura ocorrer, e seu espírito foi aprisionado na Coroa das Almas. Quem quer que a utiliza, será lenta e inexoravelmente possuído pelo velho feiticeiro. É criado um pequeno "domínio" para o velho necromante, para onde os heróis são transportados para uma batalha final. 

Após o fim, fica a cargo do mestre se os PJ irão voltar para casa ou se continuarão presos no mundo de Caverna do Dragão  Ravenloft.

##FIM DOS SPOILERS##


Enfim, trata-se de uma aventura bastante interessante e longa, com trechos de dungeon crawl e aventura urbana, com muito espaço para roleplay - principalmente quando consideramos que ela se passa em um domínio cuja cultura é centrada em música e cujo Darklord é um bardo... Se houver algum jogador no grupo que gosta de jogar de bardo e realmente leva a sério a interpretação do personagem, há muitas oportunidades aí para que ele mostre seus talentos musicais e poéticos.

Se você pegar o livro e lê-lo de cabo a rabo, como eu fiz, vai ver que são necessários alguns consertos no enredo para que a aventura não fique longa demais e também para evitar muitas viagens de ida e volta entre Kartakass e o castelo do Dr. Dominiani, e também para tornar mais plausíveis alguns encontros com NPCs (que sinceramente os autores não souberam trabalhar bem). Corrigindo as falhas no enredo e enxugando onde for necessário, Feast of Goblyns tem o potencial para se tornar uma campanha, ou o ponto de partida de uma campanha em Ravenloft. O grupo de aventureiros conhecido como "Twilight Children", que narra uma mega-campanha de Ravenloft há mais de 10 anos (!) dedicou algumas de suas seções a esta aventura especial.

Algum de meus 7 leitores e meio (um deles é um Hobbit) já jogou ou mestrou esta aventura? Comente aí!

Por enquanto é só pessoal! Até o próximo post!

Cuidado com os lobos, e que as brumas não nos alcancem!

8 comentários:

  1. Gronark, O Senhor do Sofrimento19 de julho de 2022 às 07:41

    Não adianta se agarrar ao passado, Bardeco! Todas as obras antigas já estão sendo reescritas para atender as narrativas atuais! Ravenloft praticamente virou um episódio ruim de Scooby Doo em que há espaços seguros e artes inclusivas altamente coloridas, panfletarias e que são praticamente posters de filmes de super-heróis sem vida visando apenas ser uma propaganda de um produto barato para ser consumido por uma massa sem alma e individualidade escrava dos poderes do CHAOS! HAHAHAHAHAHAHAHA

    (Achei um vídeo bom que mostra as mudanças das artes antigas até as atuais de D&D. É um bom complemento para o seu artigo sobre as artes. É praticamente o que eu escrevi no Halls, é a criação de um gênero de "fantasia lacradora" tanto nas artes e narrativas para dominar e matar todos os outros gêneros. Dá pra fazer uma analogia com o que está escrito no "Um Anel".)

    "Um gênero de narrativa para a todos dominar,
    Um gênero de narrativa para encontrá-los,
    Um gênero de narrativa para todos trazer
    e na lacre arruiná-los."

    https://www.youtube.com/watch?v=--OivdmhkAs

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    1. Nem os Domínios do Medo escaparam de sua corrupção nefasta, não é, Gronark! Malditos sejam seus cultistas panfletários!

      ("Fantasia Lacradora" é um termo muito acurado para a fase tenebrosa que estamos vivendo em nosso hobby. E sim, a analogia que fez com o Um Anel cabe aqui como uma luva. Realmente lastimável...).

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    2. Maldito sejam os NPC cultistas panfletários do caos! Mas sua hora vai chegar, o Bem sempre vence o mal!

      (ótimo vídeo, até me inscrevi no canal. Ele resumiu bem o atual estado de D&D. Eu chamei os PJ da 5ªe de "campeões de LOL", ele chamou de "super-heróis da marvel" , e de fato é isso que está acontecendo: "rpg" para um público que cresceu acostumado a ver filme de super-herói, e por isso que os PJ têm dezenas de pontos de vida desde o começo e praticamente todo mundo consegue usar mágicas poderosas, com infinitas chances de vitória... Que contraste com o RPG de outrora, em que a morte espreitava a cada curva e cada encontro até mesmo com goblins poderia ser fatal, conforme o autor do vídeo bem descreveu. Pra mim a melhor arte foi a dos anos 80/90, mas acho que a dos anos 70, em preto e branco, também têm seu charme.
      Outros pontos bastante interessantes que ele abordou:
      - Antes as artes eram focadas em seres humanos e hoje em dia o que mais se vê são literalmente demônios (tieflings) e animais antropomorfizados
      - os personagens antes eram "mais humanos" (no sentido de demonstrarem medo, por exemplo, e serem mais propensos ao fracasso) e os de hoje são desenhados literalmente como super-heróis invencíveis, com armas gigantes e armaduras impossíveis de existirem...

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    3. Esqueci de comentar: a metáfora do Um Anel é perfeita. Já repararam como que de uns tempos para cá tem aumentado muito o número de filmes que são no padrão dos filmes de super-herói da marvel e tem diminuído o número de "filmes normais"? É quase como se alguém tivesse decidido que agora só se pode fazer e ver filmes da marvel...

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    4. Tem toda razão, nobre bardo. Toda razão...

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  2. Salve, nobre bardo! Bom ver novas postagens aqui.

    Eu não conhecia essa aventura, e, ao ler sobre ela, achei muito interessante. Realmente, remete a uma época perdida em que as aventuras eram feitas com conteúdo e carinho, e não apenas como veículos panfletários vazios cheios de ilustrações coloridas e sem alma.

    O que a Wizards fez com Ravenloft em D&D 5E foi um crime, e descaracterização completa dos pilares que sustentaram este rico cenário por mais de 30 anos. A "Fantasia Lacradora", como Gronark bem colocou, está arruinando décadas de legado e riqueza para atender uma agenda vazia e desprovida de qualquer tipo de significado real.

    Por isso, aplaudo seu trabalho em trazer e relembrar esses clássicos do passado. É uma forma de manter a chama da fantasia acesa nesses tempos escuros.

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    1. Salve, grande Odin!

      Não se preocupe, não abandonei e nem abandonarei o blog. É que às vezes a vida real exige muito mais de mim, então não posso garantir uma frequência de postagens (se você reparar nas datas do arquivo do blog via notar como elas são inconsistentes!).
      Essa aventura eu joguei em 2020, se não me engano, e consegui comprar o livro original de alguma boa alma que estava desovando sua coleção de Ravenloft no Mercado Livre. Assim que li, bateu aquela nostalgia, muito embora eu não tivesse jogado Feast of goblyns nos anos 90 (e nem teria como, pois acho que nenhuma aventura de Ravenloft foi traduzida ou sequer importada aqui para o Brasil naquela época). embora ela tenha suas falhas no enredo, nota-se o carinho de quem a escreveu, como você mesmo disse, e também o empenho em toda a produção do material. Eu não coloquei no post, mas o livro vem com um escudo do mestre (a capa do livro), um modelo de ficha de personagem adaptado para o cenário Ravenloft, um pôster com a ilustração da capa, e um grande mapa com as dungeons e cidades que aparecem na aventura.
      Realmente é um crime o que a wizards está fazendo com Ravenloft. Preferia que tivessem deixado esse cenário esquecido...
      Sou mais um ajudando manter acesa a chama do old school e da fantasia, ainda que em minha diminuta esfera de influência. Não podemos esperar um "salvador da pátria" para isso, ainda mais uma grande empresa - elas não estão mais interessadas na qualidade do material e nem do conteúdo. Cada um de nós tem que manter uma pequena vela acesa para iluminar a escuridão!

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    2. Exato, nobre amigo. Entendo bem a dificuldade em se escrever e conduzir um blog diante de todos os compromissos importantes que a vida real nos proporciona (ao contrário dos panfletários que destroem diversos campos importantes de nossa cultura com suas agendas vazias, nós temos trabalho, responsabilidades e famílias para cuidar).

      Mas creio que é exatamente esse o espírito: cada um de nós mantendo, da melhor forma possível, uma pequena vela acesa em meio a essa escuridão. Com o tempo, conseguiremos dissipá-la.

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