domingo, 20 de junho de 2021

A Natureza do Medo

 No fundo, podemos dividir o medo humano em duas grandes vertentes principais (na verdade trata-se de uma vertente só, como ficará claro a seguir): 

Primeiro, o Medo da Morte, que é um utilíssimo mecanismo de sobrevivência. Quando uma situação desperta este mecanismo e ativa o medo da morte, nosso corpo por instinto nos faz tomar mais cuidado, corremos mais rápido, nossos músculos se contraem e conseguimos ter reflexos mais rápidos, andar mais silenciosamente, etc. O medo do desconhecido é fundamentado no medo da morte: tememos o que não conhecemos pois não sabemos se aquilo pode nos matar.




Segundo, o Medo de ser Humilhado Publicamente. Este é um medo que de certa forma ajuda a sociedade a se manter coesa, pois dificulta que o indivíduo se afaste daquilo que é socialmente aceito (geralmente o "socialmente aceito" são normas não escritas que existem há milhares de anos porque muito tempo antes disso nossos antepassados sofreram com os efeitos negativos da quebra ou da não existência destas normas, e as mesmas foram inventadas para possibilitar a vida em sociedade). Mas, ao mesmo tempo, este medo também é responsável pela maior das covardias - o medo de se fazer a coisa certa quando todos estão fazendo o errado.  


No fundo, o Medo da Humilhação Pública é uma extensão do Medo da Morte, pois a ideia da humilhação pública está atrelada à de se tornar um pária da sociedade, o que no passado remoto significava ser expulso da tribo,  o que quase invariavelmente levava à morte, pois o homem foi feito para viver em sociedade - sozinho na natureza ele está em desvantagem contra os vários predadores e contra o clima. Assim, desde o começo da vida em sociedade o medo da humilhação pública mantém o indivíduo em xeque através do medo da morte. Se o homem não fosse um ser social, ele não sentiria este medo, e existiria somente o medo da morte como a raiz de todos os medos. Entretanto, a necessidade da vida em sociedade fez surgir este outro medo, bem próximo da "raiz". 

Se pensarmos nisso, veremos que todos os medos são decorrentes destes dois principais, em camadas cada vez mais exteriores e concretas, partindo do medo mais abstrato até o mais concreto. O medo do escuro provém do medo do desconhecido, o qual provém do medo da morte. O medo de falar em público é proveniente do medo da humilhação pública, que por sua vez está intimamente ligado ao medo da morte.

Podemos, assim, esquematizar o medo humano como se fosse uma árvore com dois troncos que se separaram bem próximos da raiz (o medo da morte). Um dos troncos é o medo da humilhação pública, e dele partem todos os medos ligados ao reino das emoções e da psicologia (como o medo da rejeição, o medo de conhecer pessoas novas, etc.). O outro tronco é baseado no medo de se machucar, e dele partem todos os medos relativos à integridade física do ser humano (como o medo de ficar doente, o medo de sofrer violência, o medo de altura, etc.). 

No fundo, todos provém do medo da morte.





6 comentários:

  1. Não haveria nessa questão duas outras possibilidades como estruturantes do psíquismo dos indivíduos ?

    Os suícidas não temem a morte e nem a forma como poderão dar cabo à própria vida.
    E aqueles indivíduos obstinados na consecusão de determinados objetivos também não temem morrer para atingir os seus propósitos. A História nos dá muitos exemplos desse último caso.

    Os dois extremos mencionados relativizam sobremaneira o chamado "medo da morte", sendo que essa seria então uma predisposição somente encontrada sob condições existenciais bem específicas, mais precisamente: de relaxamento e de conforto.

    Como o instinto de sobrevivência (medo da morte) não é exclusivo da espécie humana, podemos analisar fatos relacionados a isto através da experiência de outras espécies.
    Assim, por exemplo, é que um tigre faminto (portanto, fora da condição de relaxamento e de conforto), que visou um búfalo muito maior para ser sua presa, pode acabar cedendo ao medo de ser morto caso perceba, logo nos primeiros movimentos, que está diante de um oponente muito mais forte.
    Porém, se a obstinação do tigre em abater aquela presa for irredutível, ele lutará ferozmente com toda as energias para conseguir seu intento. E nessa circunstância, o tigre tanto poderá, de fato, acabar sendo morto pelo búfalo, como a sua inarredável obstinação é que talvez faça o adversário muito mais forte ser dominado pelo medo. E neste caso, a obstinação do tigre não apenas seria o fator que suplantaria o seu medo da morte mas também seria o fator capaz de incutir esse mesmo medo no adversário mais poderoso fisicamente - cujo psiquismo, porém, terminou sucumbindo ao medo durante o confronto.

    Tony

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    1. Aparentemente o "desgosto pela vida" que um suicida realmente suplanta o medo da morte, pelo visto. Mas isso não muda o fato de que todos os medos que sentimos são oriundos do medo da morte. EM relação aos animais, não sei se sentem medo (não sei se conseguem abstrair o suficiente para sentir medo), mas certamente têm seu mecanismo de sobrevivência (então pode ser que não sintam medo, mas seus instintos os orientam a fugir de situações perigosas)
      Aliás, em relação aos suicidas, creio que sintam sim um medo da morte: sentem muito medo de determinada maneira de morrer (creio que em muitos casos esteja naquele tronco do medo da humilhação pública) e acabam escolhendo uma que consideram "menos pior". É uma pena que existam pessoas que pensem em se matar para fugir de problemas, pois acabam indo parar no vale dos suicidas, um destino muito pior do que os medos e angústias que eles sofriam em vida...

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    2. " "Modo bersek" é um estado de furor que, diz a lenda, os guerreiros vikings entravam durante as batalhas - se entregavam a uma fúria sem controle, perdendo a racionalidade e lutando como loucos"
      (Excerto de um comentário do Bardo da Névoa)

      Neste caso, parece que o medo da morte simplesmente deixava de existir para os vikings durante as batalhas.
      Algo similar ocorria entre o povo da ilha "Maluko", da Indonésia, cuja ferocidade os impelia a lutar selvagemente contra os europeus - o que originou a expressão, em português, "Maluco", pra definir qualquer indivíduo destituído da razão.
      Os homens-bomba da atualidade, a exemplo dos kamikazes japoneses na Segunda Guerra Mundial, também demonstram ter uma relação paradoxal com essa questão envolvendo o medo da morte. Os "homens-bomba" são motivados por razões de crença religiosa - explodem a si mesmos objetivando matar o máximo de pessoas possível imaginando que, com isso, entrarão no paraíso por lutarem contra os infiéis. Já os kamikazes se atiravam com seus aviões carregados de explosivos contra navios americanos em honra à pátria e ao imperador.
      Suicidas com motivações bem diferentes do tipo convencional.

      Tony

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    3. O medo da morte não deixa de existir em nenhum destes casos, pois ele está intimamente ligado ao mecanismo de sobrevivência. A questão é que através da razão o ser humano consegue superar os instintos. Sendo assim, fomos capazes de criar raciocínios que nos ajudam a ofuscar o medo da morte - por exemplo, a crença em algo maior e mais importante do que a própria vida.

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    4. Questões complexas, Bardo, e que, na minha opinião, demandariam um livro inteiro para serem devidamente esclarecidas.
      Mas, seu ponto de vista merece uma reflexão positiva, já que faz bastante sentido em linhas gerais - embora eu particularmente tenha algumas divergências com relação a essa premissa de que o medo é um fator dominante na determinação do psiquismo humano.

      Tony

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    5. Bem, foi uma conversa construtiva. Obrigado por enriquecer meu blog com seus comentários!

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