quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Literatura Medieval - As Sagas Nórdicas

Saudações, aventureiros, taverneiros e mestres de guildas!


Compus este pequeno texto para contar-lhes um pouco acerca de um gênero literário medieval que muito influenciou e até hoje influencia a literatura ocidental. 


Refiro-me, naturalmente, às Sagas Nórdicas.

Este post de meu humilde blog não pretende esgotar o assunto (se é que isso é possível). O que escreverei é, digamos, um resumo geral do que li a respeito deste belo gênero literário. Pode ser que, conforme os anos passem e eu venha a aprender mais a respeito das sagas, eu atualize este post ou escreva outros, mais profundos.

(acho que uma vida não é tempo suficiente para que eu consiga ler tudo o que gostaria de ler...o tempo dirá se conseguirei me aprofundar um pouco mais neste e em outros assuntos literários)

Dito isto, vamos ao texto:

As "Sagas" são um gênero literário característico da Escandinávia e da Islândia medieval. Originalmente eram histórias passadas oralmente de geração em geração, e que passaram para a forma escrita a partir da cristianização da Islândia, por volta do século XIII, tendo sido registradas por padres, bispos e vários leigos letrados islandeses que surgiram na época. Há vários tipos de sagas (lendárias ou de heróis; de reis; de bispos; sagas cômicas; etc.), sendo as mais famosas (e numerosas) as Sagas Islandesas. 

Este tipo de texto é bastante "direto ao ponto", sem muitas descrições dos lugares e das pessoas envolvidas, criando uma leitura um tanto "dura" e "rude" em diversos pontos - como se os autores das sagas dissessem que "as coisas são o que são, não há uma explicação para tudo", e "isso aconteceu porque sim, porque é assim que as coisas são". 

Das sagas que eu li até hoje (A Saga dos Volsungos e algumas contidas nas coletâneas Comic Sagas and Tales from Iceland, da editora Penguin, e algumas contidas em Eirik the Red and other Icelandic Sagas, da editora Oxford), percebi que uma característica comum é a história começar antes do nascimento do protagonista (ou então dar uma breve introdução falando sobre sua vida pregressa, para delinear que tipo de pessoa o protagonista era) e terminar um pouco depois de sua morte (se for o caso), com as ações de seus descendentes que ocorreram em consequência aos eventos descritos na história.

As Sagas lendárias (fornaldarsögur) ou "sagas dos tempos antigos" aludiam a grandes feitos e heróis de um passado remoto (dos tempos "míticos" passados na Europa continental, geralmente na Alemanha ou na Escandinávia) ou de um passado não tão distante mas que teve muita influência na história e na própria psiquê do povo nórdico (por exemplo, há personagens que representam grandes homens e reis que realmente existiram, como Átila, o huno, que é representado pelo Rei Atli na Saga dos Volsungos).

Em breve publicarei uma resenha da Saga dos Volsungos


Este tipo de sagas são repletos de figuras de linguagem ("kennings" - metáforas estilísticas, associações de imagens) de forma que não podemos levar tudo o que foi escrito ao pé da letra (e na opinião deste humilde Bardo que vos escreve, nem todos os kennings foram identificados e há outras figuras de linguagem que até hoje passam despercebidas). Os kennings enriquecem e embelezam bastante o texto, dando um caráter ainda mais fantástico à leitura, sendo uma linguagem poética por excelência.

**Pretendo futuramente escrever um post só sobre kennings, porque é um assunto deveras interessante.

As Sagas Cavalheirescas (riddarasögur) também chamadas Sagas Românticas, são inspiradas nas Chansons de Geste, que eram poemas heróicos que retratavam os feitos de cavaleiros franceses, além de outros romances de cavalaria da época (por exemplo, as Lendas Arturianas). Um exemplo notável de Saga Cavalheiresca é Tristrams saga ok Ísöndar, a versão escandinava da famosa história de "Tristão e Isolda", de cuja versão original em francês só sobreviveram fragmentos. Tais sagas começaram com mais força na Noruega (numa tentativa de integrar a Noruega com a cultura Européia) e posteriormente começaram a ser produzidas também na Islândia. Outro exemplo notável deste gênero é Trójumanna saga, a versão nórdica da história da mítica Guerra de Tróia. 


As Sagas de Reis (Konungasögur), de Bispos (Biskupa sögur) e de Santos (Heilagra manna sögur) são registros das vidas e feitos destes personagens históricos. Especificamente as dos bispos são relativas a bispos islandeses das poucas dioceses que havia na Islândia medieval e que contribuíram para a cristianização do país. Um exemplo é Laurentius Saga, que conta a vida do Bispo Laurentius Kálfsson.

As Sagas de Islandeses (Íslendingasögur) são, na opinião deste Bardo que vos escreve, as mais interessantes, pois retratavam a vida das pessoas comuns e graças a elas podemos ter uma noção de como era viver na Islândia medieval. O foco deste tipo de saga são as famílias islandesas, principalmente durante o início da colonização: temas comuns são disputas territoriais entre as famílias, rivalidades entre chefes de clãs, vinganças por conta de ofensas (feitas ou presumidas), disputas entre irmãos por heranças, e por aí vai. Estas sagas nos dão relatos  de como as coisas funcionavam naquela época, como eram as leis, como as pessoas se comportavam, quais eram seus valores, o que comiam, o que bebiam, como faziam comércio, que moedas usavam, com o que trabalhavam, dentre muitas outras coisas. 

É sempre gratificante saber como as coisas eram feitas em outros tempos, porque ajuda a colocar em perspectiva as coisas de agora.

 

Leitura recomendada pelo Bardo da Névoa

Enfim, as sagas são mais um exemplo de leitura enriquecedora. Concito a meus leitores que parem de ler bobagens e procurem boa literatura, para exercitarem seus cérebros e desenvolverem sua inteligência, como recomendava o saudoso Professor Pier Luigi...

5 comentários:

  1. Eis um artigo inovador, Bardo da Névoa !

    E embora o mesmo traga informações interessantes sobre as sagas nórdicas, incitando-nos a tomar conhecimento a respeito desse gênero de literatura, o artigo, por outro lado, também me provocou uma certa reflexão acerca dos rumos tomados pelas sociedades humanas em geral frente às mudanças que, num ritmo incontrolável, configuram a imposição de certas tendências. Tendências decisivas e que colocam em xeque as diferenças e os valores humanos em favor de uma expressão monolítica e desprovida de cor.

    Não sabia que a literatura na historicamente conturbada Islândia era assim tão rica, contrastando com as condições ambientais díficeis, dado que, a exemplo do que ocorreu na Ilha de Páscoa, o seu frágil ecossistema não resistiu à chegada dos seres humanos. Logo, encontrando-se num ambiente tornado relativamente ainda mais hostil do que já fôra, seria de se pressupor que a última coisa que qualquer agrupamento humano pensaria em realizar nessas condições seria desenvolver a sua literatura. E esta é mais uma prova de que cada povo possui idiossincrasias, inclinações e tendências próprias - ao contrário do que querem nos fazer acreditar os adeptos de certas ideologias.

    Portanto, apesar das dificuldades locais, a terra dos elfos conseguiu produzir uma vasta literatura, além de surpreendentemente ter dado origem a um gênero literário de enorme influência - as sagas.
    Infelizmente, o conceito de saga foi algo um tanto quanto deturpado. E isto, por sua vez, parece ser apenas o reflexo desse processo de descaracterização ainda maior atualmente em curso - representado pela renúncia dos valores tradicionais de uma cultura e região em detrimento de ideias baseadas em proposições generalistas, como a do "politicamente correto". Ideias essas que acabam castrando a liberdade por engessarem a expressão humana numa espécie de camisa-de-força, fazendo com que os que se submetem a tais distorções da realidade só se tornem capazes de produzir estereótipos representativos das tais ideias.

    Imagino que a humanidade avança irremediavelmente para uma grande extinção em massa em termos culturais, quando a uniformização de todos os costumes e valores vem se estabelecendo como uma regra que é imposta sobre tudo e a todos.
    Nesse cenário de hecatombe existencial, as sociedades vem se tornando monótonas variações da mesma coisa, à medida em que as manifestações tradicionais de cada cultura ao redor do mundo ficam apenas relegadas à patéticas encenações para as câmeras dos turistas - como num moderno safári.

    Ante essa iminente e progressiva extinção dos povos tradicionais ainda existentes (como os Bosquímanos e os Dogons), resta-nos assim, apenas o registro contido naquilo que constitui as obras do passado - muitas delas sendo resgatadas como testemunho de uma época que, embora já tendo desaparecido no espaço, perdura no tempo e na admiração humana.

    Portanto, não sei até onde a sua advertência, no final do texto, poderá servir às massas dominadas - sempre ignorantes demais para sequer terem consciência da condição miserável em que se encontram, e sempre preguiçosas demais para realizarem qualquer esforço pra se esclarecer.

    Tony

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    1. "...representado pela renúncia dos valores tradicionais de uma cultura e região em detrimento de ideias baseadas em proposições generalistas, como a do "politicamente correto"."

      Esse trecho assinala uma escorregada observada no meu comentário (fato passível de ocorrer quando escrevemos de um fôlego só).

      Assim, na verdade, o que eu quis dizer é que as ideias baseadas em proposições generalistas, como a do "politicamente correto", é que vêm sendo adotadas EM DETRIMENTO dos valores tradicionais de uma cultura e região - onde estes últimos são renunciados em favor daqueles.
      Não custa nada corrigir...

      Tony

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    2. Muito obrigado por mais um excelente comentário, Tony.

      Muita coisa hoje em dia está deturpada. Vivemos numa era cada vez mais monocromática, cinzenta, histérica, esquizofrênica, depressiva, etc.etc.
      Tem N fatores que provocam isso. Um deles é a massificação da cultura e sua comodificação. Os filmes de super herói são um exemplo disso - cada vez mais vazios e desprovidos de significados profundos, coisas feitas só para imbecilizar e anestesiar o cérebro. E a realidade está tão esquisita que as pessoas imploram por tomar estas verdadeiras pílulas de ignorância para escapar (a pílula azul), e se afundam cada vez mais.

      Praticamente toda a produção literária e cinematográfica e artística mainstream recente é lixo puro, que só serve para ter um lucro rápido ou para imbecilizar as pessoas. Precisamos de coisas belas. Sem isso, vamos aos poucos deteriorando como indivíduos e como sociedade.

      Quer um fenômeno mais característico destes conturbados tempos do que a mera existência dos inúteis bonecos funko pops? E das estantes de livros que nunca são lidos mas servem de enfeite em reuniões online?

      Parece que estamos vivendo no painel central do quadro "O jardim das delícias terrenas" de Bosch. O problema é que o painel central conduz ao terceiro painel...

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    3. Perfeito, Bardo !

      E ninguém precisa realmente de uma 3° Guerra Mundial pra liquidar com a humanidade. A própria sociedade, tal como atualmente estabelecida, já realiza essa tarefa muito bem.

      E bem apropriada foi sua menção ao famoso tríptico de Hieronymus Bosch - famoso pelo menos entre aqueles que possuem alguma massa encefálica onde em muitos por aí nada semelhante possa ser encontrado.
      Haha !

      Certa vez, eu fiz menção ao painel "Inferno Musical" de Bosch num processo em que fui obrigado a mover contra uma advogada que cismou comigo no ponto de ônibus em que viajávamos diariamente no mesmo coletivo e ficava constantemente me assediando - mesmo ela sabendo que eu tinha minha namorada.
      No processo, eu afirmei que, por causa da tal mulher, a minha vida havia se tornado tão desagradável que fazia o quadro "Inferno Musical", de Hieronymus Bosch, parecer a perfeita representação do paraíso.
      E entre outras coisas, também citei o clássico filme do David Bowie afirmando que "tal qual O Homem que Caiu na Terra eu não tinha condições de mensurar o valor da indenização que considerava devida diante dos assédios por que estava passando."

      O juiz, obviamente, não entendeu nada e julgou improcedente ambas as ações - a ação da advogada que me assediava (por ela não ter provado que eu a havia ameaçado e a ficava xingando, como caluniosamente ela foi relatar na delegacia) e, posteriormente, a minha própria ação (em que o juiz claramente se perdeu num mar de confusão diante das diversas citações ilustrativas que eu havia invocado - algo um tanto quanto inusitado para a sua estrita sapiência jurídica).
      Conclusão : ambos perdemos as causas, a mulher continuou me assediando e eu passei a xingá-la de verdade.
      Com o tempo, decidi mudar de horário pra pegar o ônibus e nunca mais a vi !

      Resumindo em breves linhas, o que aconteceu foi isso. Embora, na verdade, tudo tenha sido bem mais surreal que uma tela de Dali !

      Tony

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    4. História bizarra, hein Tony. Fico imaginando a perplexidade do juiz ao ler os autos do processo.
      Mas acho que sempre foi assim: geralmente as pessoas não se ligam muito em assuntos de fora de suas profissões, uns por verdadeiro desinteresse, outros por pura falta de tempo. Tem tanta coisa que eu gostaria de ler também, mas não tenho tempo. Assim é a vida.

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