segunda-feira, 31 de maio de 2021

Problemas do RPG - Advogados de Regras

 Saudações, taverneiros, mestres e matadores de goblins!


Retomando minha série (infinita) sobre problemas dos RPG, hoje vou falar sobre aquele tipo de jogador (e mestre) que é tão ruim quanto aqueles viciados em fazer combos: os advogados de regras.


Vou relatar um causo que aconteceu comigo, quando estava mestrando uma aventura de (advinha?) Ravenloft: um dos jogadores estava interpretando um elfo ladino nível 2 (não lembro o nome do personagem, mas vamos chamá-lo aqui de Dido, o Elfo... entendedores entenderão), e na cena em questão estavam enfrentando um Wolfwere dentro de uma cabana abandonada no meio da floresta. A cabana devia ter uns 10 metros quadrados no máximo e não tinha cômodos. Dentro dela havia apenas uma mesa com algumas cadeiras, um fogão a lenha e uma cama. Pois bem, quando chegou a vez dele falar o que seu personagem iria fazer, ele descreveu o seguinte:

"Dido vai atirar uma flecha no monstro, correr, fazer um rolamento no chão e se esconder nas sombras no canto da cabana" então ele rolou o dado e viu que conseguiu fazer tudo o que queria, e colocou sua miniatura no canto do mapa (eu gosto de jogar com miniaturas e grids ou mapas, mas só para ajudar a mentalizar a cena, sem regras -- lembrem-se disso, pois vai ser importante mais para a frente)

Estávamos usando as regras de D&D 5e (pois é, fazer o quê...) então cada personagem tinha direito a muitas ações, e acho que o PJ em questão conseguia fazer umas 4 coisas em cada turno, podendo ser, por exemplo, 2 ataques e 2 ações diversas. 

Parei um pouco para pensar e vi que aquilo não fazia sentido. Eu falei: 

"Mas não tem como o elfo Dido se esconder nas sombras nessa situação! Primeiro, porque não tem nada para você se esconder, a cabana é quase vazia! Segundo, porque o Wolfwere está te vendo, ele vai ver pra onde você foi, não vai adiantar!"

Ao que ele respondeu:

"Ah, mas minha chance de sucesso é de XX%, e eu consegui tirar isso no dado. Além disso, meu personagem tem Stealth porque eu escolhi o arquétipo XYZABDCD, o que garante um bônus de YY% nas jogadas de oportunidade, e além disso minha destreza é 15, o que me dá um bônus de mais ZZ% e blá blá blá..."

Para não perder o jogador (e é difícil arranjar jogadores, pelo menos para mim) acabei aceitando e deixei o elfo se esconder nas sombras do canto da choupana logo depois de atirar uma flecha em um wolfwere que inexplicavelmente não o viu, embora tenha sentidos aguçados e seja uma criatura da noite.

Logo depois, quando mexi a miniatura do wolfwere para encenar ele indo atacar um outro jogador, aquele que estava interpretando o elfo Dido do nada falou: "você passou a 3 tiles de distância do meu personagem, que estava escondido nas sombras! Isso dá 1 metro e meio, o que me permite fazer um ataque de oportunidade! Atirei uma faca de arremesso!"  

Ao que eu respondi "mas eu não estou considerando os tiles, isso aqui é só pra representar a cena!"

Mas para não ficar chato e não perder a esportiva, fingi que aceitei, mas quando rolei o dado, fingi que não houve dano no wolfwere, e ainda forcei um 20 "natural" feito pelo monstro logo depois, e acabei matando Dido, o elfo (na verdade, ele só ficou inconsciente e tiveram que gastar umas magias para ele reviver algum tempo depois)

Jogando com outro grupo a aventura Feast of Goblyns, também de Ravenloft, havia um jogador com um personagem que era um mago que vivia roubando artefatos mágicos. Um background interessante. Toda vez que eu dizia que acontecia determinada situação e determinava que um teste do atributo "X" deveria ser realizado, ele vinha e falava "Ah, mas nesta situação era melhor o atributo "Y" porque pipipi popopo" e sempre interrompíamos o jogo para decidir qual era o melhor atributo. 

Em outra ocasião ele conjurou a magia "Pequena Cabana de Leomund". 

Segundo a descrição da magia "Todas as outras criaturas e objetos são bloqueados ao tentarem atravessa-lo. Magias e outros efeitos mágicos não podem se estender através do domo ou serem conjurados através dele.

Para mim simplesmente não faz sentido que um ser mais poderoso que o próprio mago que conjurou a cabana seja incapaz de atravessar a barreira ou destruí-la. 

Mas enfim, ele conjurou a cabana para que o grupo acampasse dentro dela e não fosse atacado à noite (boa estratégia). 

Porém, para fins da trama prosseguir, precisei fazer com que alguma coisa atravessasse a barreira - inventei que uma criatura ficou do lado de fora olhando fixamente para quem estava dentro e com isso conseguiu provocar pesadelos perturbadores (os pesadelos dariam uma pista do que fazer a seguir) mas o jogador reclamou, dizendo que ""Ah, mas não pode! NADA atravessa essa barreira!". Acabei resolvendo dizendo que "a coisa que provocou os pesadelos usa uma magia de uma natureza muito diferente, então ela conseguiu"

Eu sou totalmente a favor de que algumas regras sejam quebradas para fins de avançar a trama e/ou para que a trama faça mais sentido, senão fica tudo engessado. Este foi um desses casos. 

O errado é quebrar as regras só para os jogadores perderem.

Em resumo: muito jogador prefere "rolar dadinho" e "consultar tabelinha" do que realmente imaginar algo que faça sentido, e faz questão que cada regrinha seja seguida à risca, mesmo que a situação não tenha nada a ver. 

Sim, eu sei que isso é um jogo de fantasia, mas mesmo com toda a imaginação do mundo, algumas coisas têm que permanecer fazendo sentido - a gravidade, a passagem do tempo, o calor, o frio, etc. Senão daqui a pouco um gnomo vai conseguir sozinho levantar e arremessar um ogro só porque tirou 20 no dado...(e se bobear isso já aconteceu...)

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