sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Problemas do RPG - qualquer clérigo faz milagres

 Saudações, aventureiros! 


Acho que esse é mais um dos problemas da 5a edição de D&D, a qual transformou os personagens dos jogadores em campeões de LOL (conforme já escrevi em vários outros posts deste meu humilde reduto).

Há algum tempo mestrei uma aventura de Ravenloft com um grupo de jogadores que só conheciam a 5a edição de D&D, e percebi o quanto é difícil criar situações que os jogadores percebam como perigosas. 

Vou ilustrar com um exemplo do que aconteceu:

(Após uma batalha contra uma árvore demoníaca, que usou seus galhos para chicotear os PCs e ainda disparou sementes dentro das feridas de um deles - algo que imaginei que se tornaria um problema para eles mais tarde, mas infelizmente estava errado)

DM: após a batalha vocês  se sentem exaustos e sentam-se no chão,  um pouco afastados da carcaça fumegante da árvore demoníaca. Dido, você sente uma dor muito forte em seu braço direito, e descobre que ele está quebrado. Você não conseguirá usar sua espada com a mão direita enquanto não se recuperar.

Dido, o elfo: Robert, por favor me ajuda aqui!

Robert, o clérigo: é pra já! Eu coloco as mãos em cima do braço dele, e lanço a magia "cura", e os ossos do braço dele se remendam no mesmo instante.

DM (surpreso e decepcionado): ... bem, continuando, Robert, você está sentindo dor e uma pulsação estranha nos cortes que a árvore demoníaca fez no seu peito. Você se sente assustado, imaginando o que possa ser. O suor começa a escorrer no seu rosto, com medo das possibilidades...

Giovani, o Ranger: vou tentar usar meus conhecimentos de plantas para entender o que está acontecendo (rola um teste bem sucedido de sabedoria). Robert, parece que a árvore plantou as sementes dela no seu peito.  Eu ja ouvi relatos de que esse tipo de planta faz isso quando sente que vai morrer... ela dispara sementes que se alimentam de sangue e fazem brotar uma nova árvore demoníaca no corpo da vítima!

Robert, o clérigo: eu vou usar a magia "cura" de novo, para matar a as sementes!

DM: você não pode fazer isso, porque isso não é um ferimento...

Robert: ah, mas é tipo uma doença,  um parasita, sei lá, então acho que serve. (Os demais jogadores concordam)

DM: ok, então, mas você já usou  suas 3 magias, então não vai poder usar essa agora.

Robert: tudo bem, vamos fazer um descanso longo... 

Robert: (literalmente 1 segundo depois) pronto, já  descansamos e já posso lançar minha magia... pronto, me curei. Matei as sementes. Agora vamos descansar de novo para eu recuperar esse slot de magia que eu gastei...(1 segundo depois) pronto, já descansamos e posso lançar todas as minhas magias de novo! Vamos lá!


Claro que eu como mestre poderia ter sido mais duro e cruel impedindo que o grupo executasse 2 descansos tão rápido assim, ou impedindo o clérigo de usar a magia para matar as sementes da árvore maldita, mas fazer o quê... o grupo gosta de jogar assim, fingindo que é LOL e não RPG de verdade, e um grupo de jogadores é algo raro hoje em dia (pelo menos no meu caso).

O que quis ilustrar nesse post é que as magias de cura dos  clérigos estão muito overpower, com um reles clérigo de nível 2 sendo capaz de emendar ossos quebrados instantaneamente. O que isso traz de ruim? Bem, isso significa que exceto em casos de morte instantânea, praticamente não há perigos para os jogadores, cujos personagens se tornam literalmente máquinas de matar. Acho que nem maldições funcionariam, pois se um clérigo de nível 2 consegue instantaneamente curar ossos quebrados, então nesse ritmo:

- no nível 3 ele provavelmente consegue curar licantropia, vampirismo, entre outras maldições típicas de mundos de fantasia (então só existem vampiros e lobisomens porque os clérigos simplesmente ainda não quiseram curar todos)

- no nível 4 ele provavelmente já é capaz de ressuscitar os mortos;

- no nível 5  a mera presença de um clérigo já impede que os membros do grupo sofram dano, por conta de sua "aura de cura";

- no nível 6, um clérigo não apenas cura doenças e maldições com sua mera presença: com uma simples magia que pode ser usada 20 vezes por dia (sem considerar os descansos longos), ele é capaz de criar vida, a partir do nada!

- a partir do nível  7, os clérigos já não fazem parte de grupos de aventureiros, pois estão ocupados criando novas formas de vida e sendo adorados como deuses em outras realidades

Etc. Etc.

(Reza a lenda que o Sol originalmente era um clérigo de nível 9 de D&D 5e)

Exageros à parte, acho que este é mais um exemplo de o quanto a 5a edição quebrou o jogo, pois quando praticamente qualquer clérigo consegue operar verdadeiros milagres, então qual perigo os jogadores estão correndo mesmo? Isso, aliado à mecânica dos descansos longos (qie não sei se é da 5e, mas vocês, meus 5 leitores, entenderam) acaba tornando um grupo de aventureiros praticamente invencível, e as aventuras se tornam somente uma partida de God of War: é só andar pra frente e atacar. Todo inimigo dropa poções de cura.

O jogo acaba virando Dragon Ball Z, em que ferimentos e até mesmo a morte não tem mais consequência nenhuma para os personagens.

O que acham disso?

6 comentários:

  1. Cara, eu vou começar a mestrar pra um grupo de 4 jogadores no 3.5 sendo que só um é "nativo" desse sistema, um é joga 3D&T e os outros 2 jogam 5E. O que eu tenho medo é de acontecer justamente isso daí

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    1. Pois é, Noren. O Mestre do jogo tem que dar um jeito de impedir que os jogadores que só conhecem a 5ª edição tenham a vida muito fácil, senão o jogo fica sem graça. Tem que dar um jeito de impedir os descansos longos - de uma maneira que faça sentido dentro da história, claro, de modo que eles não fiquem com a impressão de que você é um "mestre carrasco" e se sintam frustrados. E toda luta tem que ter MUITOS monstros ao mesmo tempo para que os personagens corram algum perigo, pois na 5e cada jogador tem muitas ações por turno.

      Por isso que eu acho a mecânica do AD&D 2e e da 1ª edição de D&D melhores, pois o jogo era mais difícil em termos de sobrevivência dos personagens, não era tão simples assim curar ferimentos e usar magias. O lado ruim das edições antigas é que os magos tinham poucas magias no começo e nos primeiros níveis eram muito, mas muito fracos por conta disso.

      Depois você conta aqui como foi sua aventura!
      Abraço!

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    2. Salve, Bardo! Considerando que vamos pra 4ª sessão na sexta, acho que já posso dizer que não aconteceu o que tá descrito no post. O que me alegra bastante.

      O pessoal que não jogava 3.5 era mais por ter tido uma experiência prévia ruim com o sistema, então eles migraram pra outros que tiveram mais diversão. Eu até entendo o ponto deles, já que o 3.5 é bastante complexo enquanto 3D&T e 5E têm essa ideia de serem mais simples mesmo, e dependendo de como o mestre leva o jogo pode acabar sendo uma experiência ruim.

      Abraço!

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    3. Parabéns por estar conduzindo bem sua aventura, Noren! Eu nunca joguei a 3.5, só joguei o AD&D2e, parei de jogar por muitos anos, e quando voltei já estava na D&D 5e. Então não sei se a 3.5 era complexa, mas pelo visto devia ser mesmo, você não é o primeiro que eu leio dizendo isso. Eu sinceramente preferia o AD&D2e (o pessoal fala que a mecânica do TAC0 era complicada, mas era literalmente jogar o dado e subtrair do valor de TAC0 do personagem... o que há de complexo nisso??). Achava que tinha uma pegada mais "sobrevivente", o que julgo melhor para um jogo de RPG de mesa. Mas aí é de cada um.
      Se puder, compartilha a história da sua aventura!
      Abraço e volte sempre!

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  2. Concordo plenamente. Esta onda de "cuidados com sensibilidades alheias" está trazendo diversos problemas ao D&D. O clérigo, como você trabalhou aqui, é um dos exemplos dos casos mais atingidos. Nao há mais sensação de perigo, pois isso pode correr o risco de frustrar um jogador, e a questão não para neste ponto. A 5a edição do jogo trouxe personagens poderosos demais, com mecânicas de jogo que privilegiam muito o "jogo estilo MMO" e outros elementos que tiraram muito do clima de aventura e tensão que antes existia, e víamos com nitidez nas obras clássicas de fantasia. É impossível conduzir uma "boa e clássica" campanha em D&D 5? Não, mas é muito mais difícil do que nas edições anteriores

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    1. Sim, grande Odin. Hoje em dia, para conseguirmos jogar uma campanha clássica e difícil, ou temos que exagerar muito nos atributos dos monstros (multiplicar tudo por 5 ou até mais, principalmente o dano dos ataques e a resistência a golpes) ou então fazer com que os personagens encontrem muitos, mas muitos monstros de cada vez (mas aí um combate que era pra ser rápido acaba durando horas de jogo e ficando chato, na minha opinião). A minha principal crítica com a 5e nem é com os clérigos. Eu tenho mais implicância com os guerreiros, que desde o nível 2 já conseguem dar uns 3 ataques por rodada e já dão dano alto.

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