quinta-feira, 23 de maio de 2024

Goblins não deveriam ser tratados como "minions"


Saudações, aventureiros, taverneiros, ferreiros e demais assemelhados! 

Venho mais uma vez varrer a poeira e retirar as teias de aranha desta minha pequena choupana virtual, para entretê-los com mais um post (só para quebrar momentaneamente o silêncio, tendo em vista as obrigações do mundo real que têm me impedido de escrever neste humilde espaço - espero conseguir ter mais presença a partir do segundo semestre...). 

São somente mais algumas idéias que eu vinha matutando a respeito da infame quinta edição de D&D e suas correlações com alguns problemas atuais na psique da sociedade. Vamos lá:

Ao menos desde o advento de D&D 5e, os personagens dos jogadores deixaram de ser aventureiros de RPG e tornaram-se super-heróis semideuses desde o nível 1, já iniciando o jogo com poderes e habilidades que nos áureos tempos do hobby demorariam alguns níveis para serem conquistados. 

Com isso o RPG (pelo menos o mais famoso e os jogos indies que se inspiram em sua atual edição) passou de um "simulador de sobrevivência" para um "simulador de super-herói".

Imagino que as razões para isso sejam, principalmente,  o gosto da geração atual por MMORPGs, nos quais todo personagem possui vários poderes, armas e armaduras incríveis, "toda espada tem um nome", "todo guerreiro nível 1 já possui uma alcunha", e por aí vai, para fins de apelo comercial, e a consequente necessidade de incentivos cada vez mais fortes para receptores de dopamina cada vez menos sensíveis. Precisamos de situações cada vez mais extremas, com cada vez mais adrenalina, para conseguirmos o mesmo nível de excitação, euforia, etc. Assim, no caso dos filmes de terror, por exemplo, as situações foram ficando cada vez mais extremas e violentas, ou então os filmes foram cambando para outros tipos de terror (psicológico, existencial, e os infames body horror, gore, fora outras bizarrices que compõe diversos filmes que foram banidos de alguns países). 

Coisas que davam medo antes não causam mais medo por causa dessa adaptação. Pensem no Freddy Krugger, Jason, Chucky o boneco assassino, Samara, e outros personagens similares. Hoje em dia eu considero que seus filmes não são mais "terror", estando mais para um "dark fantasy" - e eu diria que caminham a passos largos para serem eventualmente classificados como filmes de aventura - muito embora a idéia por trás de tais personagens seja assustadora, se pararmos para pensar - seriam criaturas horripilantes de se encontrar na vida real, por mais que hoje seus filmes possam nos parecer "bobos".

Uma consequência disso nos RPG é que muitos dos monstros de "D&D"5e são "minions", e são tratados como meros e quase irrelevantes obstáculos que causam pouco mais que um incômodo para os heróis - em muitos casos, na 5ª edição, os monstros no máximo atrasam os personagens dos jogadores.

Isso aconteceu com um dos tipos mais clássicos de monstros de RPG: os goblins, os quais outrora poderiam representar uma ameaça quando em pequenos bandos enfrentando personagens dos níveis iniciais, hoje em dia são mortos às dúzias com apenas umas poucas espadadas dos homens de armas do grupo..


Mas reflitamos: se existissem na vida real, um goblin não seria um "minion" que é morto às dezenas com um golpe da espada de um guerreiro nível 1, como em "D&D"5e. Um goblin seria um monstro perigoso, pois não seria muito diferente de um ser humano sem restrições morais, e com nível de inteligência suficiente para armar emboscadas, preparar armadilhas, e por aí vai. 

(Aliás, no fundo, os goblins (e outros monstros humanóides encontrados nos folclores em geral) provavelmente são metáforas que nossos ancestrais criaram para representar justamente isso: o que acontece com um homem quando perde suas restrições morais, e passa a ser movido somente pelo instinto e visa somente satisfazer suas necessidades)

Um goblin, na vida real, provavelmente usaria ataques furtivos para compensar sua baixa estatura e relativa fraqueza física. 

Provavelmente atacaria à noite, quando os personagens estivessem dormindo, ou usariam veneno, ou montariam armadilhas para imobilizá-los, etc. e imagino que só atacariam de frente se estivessem em grande números ou com amplo apoio de outras criaturas mais fortes, como trolls e orcs ou hobgoblins.

Em contos folclóricos de diversas culturas, os goblins ou seus equivalentes (por exemplo, "kobold" é o nome alemão para goblin) figuram como os principais antagonistas.  Geralmente são retratados como criaturas sagazes que tentam enganar o protagonista. Em outros são retratados como uma raça subterrânea, nem sempre má, mas amoral ou imoral.

Então fica esta sugestão para os mestres de RPG que se sentem insatisfeitos com a fraqueza atual da maioria dos monstros disponíveis no manual da 5ª edição: façam com que um goblin, ou um pequeno grupo de goblins, volte a ser perigoso como outrora. Não os trate como meros peões autômatos que ficam à toa guardando um tesouro esquecido numa caverna, ou vigiando uma ponte só porque sim, e que estão lá somente para morrerem com um golpe de espada do PC nível 1. Transforme-os em criaturas vis, ardilosas, traiçoeiras, oportunistas e imorais. Uma ideia para um antagonista goblin seria, por exemplo, criar um personagem no estilo do Gollum, de O Senhor dos Anéis - uma criatura esquiva e ardilosa que fica perseguindo o grupo dos personagens dos jogadores, cometendo pequenos atos de sabotagem (roubando itens, azedando a comida, tentando atacar personagens que estejam sozinhos, etc.).


E, para quem se interessa, aqui está  um link com um pequeno apanhado de aparições de goblins na literatura: 

https://infomory.com/famous/famous-goblin-literature